Mauro Motoki | Bom Retiro

Mauro Motoki

Bom Retiro

[Independente; 2012]

7.8

ENCONTRE: Site oficial

por Yuri de Castro; 15/02/2012

É pequena a quantidade de brasileiros que conhecem a banda Wilco. Você já ouviu o Wilco? É provável que sim. E é provável também que a banda com jeito de favorita no início do século XXI jamais tenha esbarrado um acorde em seu ouvido. Ora, essa resenha não é sobre o Wilco.

Mas a banda de Jeff Tweedy e John Stirratt exerce um fascínio. Você, de repente, quer ser sério e cínico como Tweedy canta e relata. Quer ser eterno como os solos de “Impossible Germany”. Pra quem sente isso, assusta saber que Wilco é uma realidade notoriamente afastada do mainstream latino-americano. E é aí, agora sim, que chegamos a resenha do disco de Mauro Motoki, “Bom Retiro”. Sim, pois com isso no lugar, talvez consigamos explicar o porquê iremos encontrar análises bem instruídas e direcionadas aos apupos e elogios e, logo ao lado, veja só, uma notinha 7,5 — o que vem sendo bem comum (seja qual for a sua adjetivação para os profissionais que assim fazem) aqui no país que se diz um tanto mestiço mas tem mãos e ouvidos branquelos para escrever e ouvir.

E é bom frisar logo de cara que “Bom Retiro” passa bem longe de soar como um pastiche wilconiano, ainda que seja uma das influências corriqueiras deste que ficou mais conhecido por seu trabalho em riffs como os de “Dois a Rodar”, da sua banda Ludov. Mas bate também em choque inicial a sensação que há tempos a grande parte dos lançamentos nacionais independentes desse nicho que passamos a classificar como indie (por aqui, o gênero ganhou conotação diferente da usada na Europa e na América do Norte) nos passa: não há a busca pelo elo perdido. Aquele elo que separa o álbum “legal” do álbum “você tem que ouvir”.

Quando, ano passado, o Kassin lançou “Sonhando Devagar”, mais do que uma marca do compositor, músicas que falavam de uma relação abalada pela falta de sinal do celular (!) e dos deslumbre que uma calça de ginástica (!) provocava no eu-lírico eram um claro sinal da busca por esse elo. Por conseguinte, uma crítica torna-se vazia se explora somente a voz de Alexandre Kassin como um ponto fraco do disco. Porque o disco deixa bem claro a mensagem e, por isso mesmo, por onde ela deve escoar. E, se faz isso, acaba, honestamente, mostrando por onde não deveria (nesse caso, a voz de Kassin). Mas essa resenha também não é sobre “Sonhando Devagar”.

“Bom Retiro” não dá essa dica – e não pode ser considerado um álbum de difícil solução pro ouvinte. E este é um dos erros graves da primeira aparição solo de Mauro Motoki. A beleza do disco está ali: dos títulos a momentos singulares de algumas faixas. “Bom Retiro” é claramente inspirado por ótimas histórias como, por exemplo, “Grandes Esperanças”, que abre o disco. “Prefiro nem dar oi”, conclui Motoki em ótima balada de vingança reclusa que clama desesperadamente por alguém para cantá-la de verdade, com todo o desprezo que essa outra pessoa merece. Motoki não consegue e o incauto, aquele cara que não sabe se Motoki é algo nipônico ou não, que não sabe se ele era guitarrista do Ludov ou não e que, de repente, poderia começar uma identificação com a música e, quem sabe, começar a chamar de sua aquela música e… daí a música acaba sem um momento marcante vocal. Fosse Wilco, seria uma característica: não é em “Bom Retiro” por falta de pulso e, infelizmente, essa falta de pegada não é do eu-lírico da canção, um ótimo personagem. Pô, menino, chama o lado crooner do Jeff Tweedy de minha nega e coloca ela pra sambar do lado!

Aliás, a sequência do primeiro lado do disco é boa. Depois da ironia de “Grandes Esperanças”, vem “Meus Fones”. Aliás, a voz de Motoki chega a ser (interessantemente) brega quando se permite esticar as últimas sílabas na primeira conjugação do verso (típico do gênero nos anos 70 e 80, como faz Mauro nos versos “costumava me importaaar” ou “ponho os fones, vou andaaar”), exceto nas pontes e nos refrães, quando abandona este recurso e passa a impôr menos a voz no início da frase. Talvez seja esta a boa peça mais pop do disco. O óbvio crescendo de “O bom mesmo é ser o mar” chega a perder seu brilho em algum momento da metáfora, mas consta em seus quase sete minutos uma peça linda de se ouvir. “Quando foi que a solidão aconteceu pra gente?” é uma canção tão grande e bonita que parece pequena da forma que é executada no álbum. Uma pena ouvir Motoki cantando o dissabor e a solidão sem nenhuma expressão mais encantadora, mais aterradora, menos tênue, afinal, mais interpretativa. Mas ouça até o final. Pois temos nesta faixa outro grande momento do álbum quando Mauro finalmente libera-se um pouco e canta “Finja que não estou aqui / finja que nunca existi / que não era eu / que não era eu”.

E vai parecer uma característica do álbum se você pular as banais “As Invasões Bárbaras” e “Um Rio Só Cai” e cair em “Teresa”. A música de Mauro Motoki parece ter um pezinho muito sem querer na música popular do Brasil, principalmente na supracitada que costumou-se classificar como brega nos 70s e 80s. E, talvez, seja esse o nosso jeito de ser alt-country. E é por isso que o som do Wilco fica em um segundo plano muito interessante neste trabalho. Aliás, todas as outras influências de Mauro soam mesmo como dignas influências e raramente dão trabalho no resultado final como possíveis interferências prejudiciais. A segunda parte de “Tereza” é impossível: “Madrugada abre o peito de fininho / e o que sai dele sopra em sua direção / sei que tudo se desfaz pelo caminho / mas viverá na sua imaginação” canta Mauro em companhia da (ótima) bateria de Chuck Hipolitho, fã também de Elvis Costello. “Tereza” é filha pródiga.

A bonitíssima “Imagens do Japão” é a primeira música do álbum em que Mauro Motoki consegue soar sua voz (com sucesso) fora dessa estética que domina as primeiras faixas do álbum. Aqui, temos, enfim, a única música de todo “Bom Retiro” em que Mauro realmente aponta para uma liberdade artística incondicional. Talvez todo o Mauro esteja simbolizado nessa faixa. Aqui, ele emociona legal em uma faixa que aparentemente não é inovadora em sua estética. E é esse um dos grandes baratos da música pop. Daí que o álbum fecha com “História Geral” e tá lá o nosso intrépido cantor embebedecido em perguntas para o seu amor e, novamente, em outra ótima escolha para o repertório do álbum. O que falta em “Bom Retiro” tira o brilho apenas do que “Bom Retiro” poderia ser. E isso é especular demais. Mas, de fato, é implicante a sensação de que com boas doses de ambições mercadológicas (e, injeções também, vamos colaborar pois essa via é de mão dupla) este primeiro registro de Mauro Motoki seria um grande registro. O resto, certamente, seria trabalho para assessoria.

Por enquanto, “Bom Retiro” vai precisar de uma forcinha dos pares de Motoki, uma vez que não vai tocar em nenhum lugar. Você pode dizer “quem perde são as rádios, quem perde é quem não vai ouvir”. Verdade. Mas esse processo é um todo e, nele, ambos os lados saem em diferença. Mauro também não vai ecoar as ótimas letras deste álbum, talento que estava escondido por detrás do Ludov. E, como muitos outros álbuns desse peculiar indie brasileiro, pode acabar indo pra estante. Aquela estante do “putz, por que ninguém se lembra desse disco”. Se acontecer, paciência — e um pouquinho mais de ousadia.