Frankie Rose | Interstellar

Frankie Rose

Interstellar

[Slumberland; 2012]

4.0

ENCONTRE: Site oficial

por Rafael Abreu; 07/03/2012

“Interstellar”, o disco propriamente solo de estréia de Frankie Rose, não obstante as referencias nominais ao espaço sideral, é um disco de brinquedo. Uma coisa muito mundana, portanto, absolutamente terrestre, muito embora a ambição maior do disco seja, justamente, ser interestelar, intergaláctico, cósmico, enfim.

A primeira questão sobre o disco é justamente essa: que haja um desencontro tão discrepante entre o que o disco é e o que ele quer ser. E é também sintomático que, em sua paleta e seu contexto, o álbum acabe referenciando, inadvertidamente ou não, trabalhos que em ambas as instâncias (o que se quer ser e o que se é) sejam indubitavelmente mais bem sucedidos. Têm comparado muito o som de “Interstellar” às canções pop gigantescas que o Cure lançou em “Disintegration” mas, fora um senso de espaço reverberante – realizado em um, fracassado em outro – não há muita semelhança entre os dois. Enquanto o clássico dos britânicos se voltava a enormes funerais, profusos nos timbres e mais cheios e soltos, nos arranjos – “Plainsong” resume bem essas características – o máximo que a americana consegue é um disco que se pretende espaçoso, que tem no cósmico apenas um horizonte. Além do fato de que, no caso de Rose, essa tendência seja muito mais esterilizada, muito mais rasa.

A própria faixa-título se dá no campo da prescrição pejorativa, os soundscapes aveludados e os barulhinhos eletrônicos introduzidos a fim de obter mais um efeito do que um sentido, reforçado pela guinada explosiva, lá pelo primeiro minuto de faixa. O que fica aparente, logo no início do disco, é que o que vem pela frente deve ser um disco de sons não só pequenos como diminuídos, pelo jeito que se articulam. Na busca por catarses grandiosas, o disco se apequena, aponta, em si mesmo, os defeitos.

O fato de que “Interstellar” seja um disco pequeno, no entanto, não é, de maneira nenhuma, um defeito por si só. É só pensar em outro trabalho que se dá muito melhor, nesse quesito, e se resume muito menos a simplesmente ser um disco em miniatura do que trabalhar com esse fato: “In Heaven”, da igualmente jovem banda Twin Sister. Ambos os discos trabalham com referencias semelhantes, o Twin Sister dotado de um senso eletropop oitentista ligeiramente indie e Frankie Rose sustentada por passado e um contexto garageiro e shoegaze (a moça passou pelo Dum Dum Girls, o Crystal Stilts e o Vivian Girls) tendo o synthpop como característica ligeira de timbre e de estilo – a com a diferença de que “In Heaven” trabalha com a criação de espaços profundos dentro de uma perspectiva rasa, enquanto Rose não se afasta dessa perspectiva, sem a vantagem de ter boas composições nas costas.

Tudo isso de acordo com os parâmetros que o próprio disco se dá, “Had We Had It” uma canção ligeira e esquecível baseada num arpeggiator, “Night Swim” dotada de um senso dramático em piloto automático, “Daylight” um agrado leve, robótico no pequeno prazer que proporciona. Mas há um problema mais grave, em “Interstellar”: o fato de que se trate tanto de um disco correto.
Antes de qualquer coisa, é bom dizer que arte não tem a ver com certo e errado. Tem, sim, a ver com o tamanho do mundo, o peso de uma existência, a delícia que pode ser uma imaginação, uma ficção que provoque tanto quanto conjure sensações, emoções, sentimentos. O defeito estrutural de “Interstellar” está justamente no fato de que pareça, em seu desenrolar, um disco que milimetricamente planejado para ser agradável, pra se desenvolver sem sobressaltos, assombros, conflitos. Há de ser, além de um disco de brinquedo, um disco certificado, já que trabalha com limites muito bem preenchidos: texturas meticulosamente vendidas, timbres devidamente acertados – paleta levemente eletrônica e oitentista – produção “esperta”, quase sempre com um truque na manga, e uma pretensão no mínimo valorosa, ainda que falha. Meio mundo vai amar esse disco: o que não é tanto um problema pra quem ouve quanto uma ferida aberta pra quem melhor sabe.