O Gigante na música: duas canções-protesto de 2013

Ao longo das últimas semanas acompanhamos o país em uma ebulição histórica, com praticamente todo tipo de tendências políticas indo às ruas, após a convocação do Movimento Passe Livre para atos contra o aumento das tarifas de transporte público na capital paulista. Há dezenas de textos por aí tentando dar conta das muitas razões e implicações dos recentes protestos no Brasil. Este é só mais um deles, mas que se dedica a algo pouco discutido nessas intensas semanas: as músicas de protesto.

Se, por motivos muito discutidos e pouco compreendidos, a classe média finalmente saiu às ruas para protestar contra o que lhe incomoda (por mais abstrato que isso seja), não é de se estranhar, por exemplo, que artistas também entrem na onda de contestação política e produzam algo sobre os últimos dias. É assim com cartunistas, escritores e, naturalmente, músicos. Quase todos queremos dizer algo e não é à toa o alto nível de desgraçamento da cabeça daqueles que tentam acompanhar tudo que está sendo dito.

Muito além de ser simplesmente uma ação de caráter oportunista e marketeiro, as “músicas de protesto” que têm aparecido nos últimos dias também são reflexo da vontade crescente do artista, enquanto parte do povo brasileiro, de se fazer ouvir. O artista faz música sobre o momento porque quer ser visto e ouvido – e isso engloba tanto seus interesses profissionais e financeiros quanto seu direito cívico de se manifestar. Assim, o Fita Bruta acredita que quando, por exemplo, o Latino ou o Leoni lança uma música sobre os recentes protestos, ele se interessa pelas manifestações também enquanto cidadão, não apenas como aproveitador de uma fatia do mercado musical dando sopa.

Dá até pra fazer um paralelo: grupos políticos – de direita e de esquerda – também se aproveitaram das convocações do MPL para atos em São Paulo. Afinal, é isso o que a frase “Não é só pelos 20 centavos” significa: nós estamos na rua não só pra apoiar a queda da tarifa, queremos outras coisas. Todos os protestos de hoje estão surfando na onda política criada pelo MPL, onda que começou a quebrar no último dia 13, quando a PM de São Paulo massacrou de maneiras absurdas manifestantes e jornalistas. Em outras palavras: oportunismo não necessariamente quer dizer algo ruim. Estão aí as recentes manifestações e o nosso centroavante Fred pra não me deixarem mentir.

Como Fred, Latino é desses que sabe se posicionar na grande área pra fazer gol de rebote. O aproveitamento do cara é deprimente, dada a imensa quantidade de bolas fora, mas uma coisa que não se pode negar é que o cara tenta. Tenta muito. Não por acaso, lançou há alguns dias uma gravação ao vivo de “O Gigante”, salvo engano a primeira canção-protesto do sertanejo universitário da história da música brasileira e mundial.

Entretanto, “O Gigante” parece mais uma canção de pegação com um bom refrão (o  “Amarra (3x) / Que é tudo nosso” é mais pegajoso que playboy bêbado em balada ruim) que foi retrabalhada em ocasião dos protestos. Ainda assim, “O Gigante” pende mais para o ufanismo do que para o protesto de fato. Se fosse boa o suficiente (está longe de ser), dava até para a Globo usá-la como música da Copa das Confederações, pra você perceber a quantidade de conteúdo realmente político na coisa. Inclusive, versos como “É hora de vencer / É hora de jogar” mostram que talvez o cantor pensava lançá-la na verdade como música da seleção. Mas aí vieram os protestos, e a maré mudou.

“O Gigante” pende mais para o ufanismo do que para o protesto

Mas o que interessa mesmo em “O Gigante” não é o que a canção diz, mas o que ela deixa de dizer. Evidentemente, Latino faz música para seu público maior e, como poucos, o conhece. A canção de protesto de Latino é vaga e ufanista porque assim são os recentes protestos de grande massa no país. Seria absurdo exigir de Latino uma canção-protesto mais específica enquanto milhares vão às ruas “contra tudo o que está aí”. Vaga e inexata, “O Gigante” só reflete a imprecisão das massas que estão nas ruas.

Já a música lançada por Leoni, “As Coisas Não Caem do Céu”, tem um pouco mais de mira e alvos definidos: a classe média alta e sua cômoda insatisfação. Lançada pelo perfil oficial do cantor um dia antes do ato vitorioso do MPL no último dia 17, quando mais de 65 mil pessoas marcharam por São Paulo sem pouca intervenção por parte da PM paulista, “As Coisas Não Caem do Céu” é um desabafo de Leoni contra a classe média à qual ele mesmo pertence e de onde vem a grande maioria do seu público. Funciona como uma convocação sutil às ruas, mas só isso. Não apresenta qualquer crítica mais específica à política brasileira. Pode parecer meio despropositada a crítica, mas vale lembrar que até músicas como “Que País Este?” conseguem colocar num canto ou outro alguma crítica política bem específica (como “Vamos faturar um milhão quando vendermos todas as almas dos nossos índios num leilão“, verso mais atual impossível). O desejo principal de Leoni é convencer seus ouvintes de que para se conseguir algo é necessário ir às ruas. Desceu pra rua, não é mais com ele.

“As Coisas Não Caem do Céu”, é uma música frustrada mas acomodada, que não aponta fins, apenas meios.

Com bons versos e uma ponte bem realizada (“Será que o mundo seria melhor se algum de nós pudesse decidir?” canta Leoni), a música é feita a partir de perguntas retóricas e com o cantor se colocando como parte desse grupo meio acomodado e muito frustrado. É interessante como convocação, mas não se interessa muito com os caminhos a serem seguidos depois disso. De certa forma, a música de Leoni reflete bastante os acontecimentos dos dias seguintes a seu lançamento: as pessoas foram pras ruas, mas não sabem bem o que pedir ou como conseguir o que pedem. Disso Leoni não fala, pois demandas políticas são chatas e discutíveis. “As Coisas Não Caem do Céu”, apesar dos bons pontos sobre a classe média, não se diferencia muito dela: é uma música frustrada mas acomodada, que não aponta fins, apenas meios.

É curioso que ambas as composições se mostrem similares, musicalmente, ao espírito de seus públicos de maior interesse. “O Gigante” é uma música de massas para todas as massas: é festiva, ufanista, quase épica, que não à toa termina com uma citação ao Hino Nacional na guitarra. Por sua vez, “As Coisas Não Caem do Céu” é uma canção para a classe média alta brasileira com as suas principais características: conservadora, contida, desapontada. No conforto da sua estrutura básica, ela reclama do conservadorismo do qual se diz fazer parte mas que no fim das contas não se percebe de fato.