“Vaquinhas” aos montes

Há um ano, ‘crowdfunding’ era um estrangeirismo supérfluo. Para mim, e acredito que para bastante gente também, não significava nada. Crowdfunding é investimento coletivo, uma ‘vaquinha’. Pessoas interessadas em um objetivo comum entram com a verba e fazem acontecer. Em setembro de 2010 o Queremos tirou uma oportunidade de um terreno antes só criticado e exemplificou como isso funciona. Decidiu levar shows para o Rio de Janeiro, um lugar dito sem público, com a ajuda do suposto público fantasma.

Todas as empreitadas até hoje foram bem sucedidas na fase de captação da grana, as outras etapas oscilaram, mas a promessa do show sempre foi cumprida.

A formula é vender ingressos reembolsáveis, chamados de cotas no primeiro show, por 200 reais e atingir o valor pretendido. Se a casa encher, o público recebe o dinheiro de volta; caso contrário o reembolso será proporcional. Todas as empreitadas até hoje foram bem sucedidas na fase de captação da grana, as outras etapas – lotação da casa e reembolso dos cotistas, basicamente – oscilaram, mas a promessa do show sempre foi cumprida. Em pouco mais de um ano foi levantado, com dinheiro de fãs e patrocinadores, mais de um milhão de reais.

Quanto isso é rentável não se sabe. A única informação disponível no site é o valor necessário para que o show aconteça, sem pormenores. Sabe-se que a casa, na maioria das vezes o Circo Voador, fica com uma metade da bilheteria e o reembolso do público vem da outra metade. Extrapolando o reembolso integral dos que compraram os ingressos especiais, os produtores do Queremos pegam seu lucro. Nada mais justo para o grupo responsável pela produção.

Continuo afim de comprar ingressos reembolsáveis e correr o risco de ver o show de graça, só que um pouco de transparência aumentaria a confiança.

Depois de um ano convivendo com o modelo (como ‘cotista’ e comprador de ingresso normal), tenho algumas dúvidas sobre o funcionamento disso. Fiquei surpreso com o baixo retorno pós Primal Scream. O Circo estava bem cheio para que apenas 100 reais voltassem do investimento feito. Talvez prevendo essa reação, o Queremos colocou em sua newsletter que a roleta do Circo provava a quantidade de pessoas que passaram por lá. Além disso, lembro que o número de ingressos reembolsáveis vendidos foi alto, 560, junto com poucas cotas de patrocinadores, o que justificaria o retorno baixo. Mas mesmo assim fica uma sensação, talvez falsa, de que nem tudo é bem certo assim. Continuo afim de comprar ingressos reembolsáveis e correr o risco de ver o show de graça, só que um pouco de transparência aumentaria a confiança.

Inegável é que o esquema de juntar o público para garantir o espetáculo pegou. O Queremos pode não ter sido o primeiro no Brasil, mas foi o site de maior impacto. A cota de 200 reais logo foi imitada pelo Mob Social que levou o Misfits ao Circo Voador. Lembro também de um “Queremos Sertanejo”, no mesmo esquema de 200 reais — se alguém tiver o link, passe nos comentários.

Soluções diferentes vieram, a Playbook, de São Paulo, que propõe uma “pista premium open-bar” por 260 reais. Acho a segregação idiota, e não curto ter que aturar a festa do vizinho na frente do meu show – pista VIP é um mal a ser exterminado. Quando escrevi esse texto a arrecadação do primeiro show (Tokyo Police Club, que já tocou esse ano em SP) ainda não estava completa.

O jeito que os fãs de ska arrumaram para trazer o The Toasters pro Rio é interessante. Independente do valor arrecadado, o show está garantido. A ideia é que quanto mais pessoas comprarem antecipado, mais barata fique a entrada. O comprador paga a primeira parcela, e a segunda fica progressivamente menor na medida que a meta se aproxime para ela sair de graça.

Bandas independentes como Autoramas e Letuce arrecadaram o dinheiro com os fãs para a gravação de seus novos álbuns. Arrecadaram a grana pelo Embolacha, um site de crowdfunding exclusivo para artistas. Funciona assim: quem cria o projeto dá várias opções para você contribuir, quanto maior valor, maior a recompensa. Eles ficam com 15% do valor como taxa de administração. Pelo mesmo portal, o Móveis garantiu mais uma edição do seu festival Móveis Convida e o show comemorativo de dez anos do Mombojó em Recife.

Além de estreitar a relação da banda com o público, o financiamento coletivo pode facilitar oportunidades com selos menores. O Autoramas, depois de garantir a gravação de seu novo LP, fechou contrato com a Coqueiro Verde, que deve garantir uma distribuição melhor do álbum.

Outros sites seguem essa linha. O Catarse é aberto para diversos tipos de projetos, mas teve seu maior sucesso com a arrecadação de 50 mil reais para que A Banda Mais Bonita da Cidade gravasse onze clipes. Imagina a internet quando isso ficar pronto. Enfim, só não foi um sucesso completo porque uma música ficou de fora, poderia ser doze. Sibite é mais um, e chamou atenção pelo projeto grandioso do Cidadão Instigado: Fernando Catatau e cia. querem 200 mil reais para gravar o novo CD e fazer o show de lançamento — até a data de publicação desse texto a arrecadação ia mal.

Aos poucos a prática se difundiu, e, como exposto acima, hoje existem sites que funcionam exatamente da mesma forma, nem todo mundo vai se sair bem. Se posicionar com o crowdfunding não é mais uma decisão de vanguarda como foi há um ano. Quem tá chegando agora e quer se dar bem nessa é melhor se preparar para inovar e descobrir um meio de chamar atenção. O edital promulgado pelo público é disputado.

“Aos poucos a prática se difundiu, e, como exposto acima, hoje existem sites que funcionam exatamente da mesma forma, nem todo mundo vai se sair bem. Se posicionar com o crowdfunding não é mais uma decisão de vanguarda como foi há um ano. Quem tá chegando agora e quer se dar bem nessa é melhor se preparar para inovar e descobrir um meio de chamar atenção. O edital promulgado pelo público é disputado.”