5 a Seco | Ao Vivo no Auditório Ibirapuera

5 a Seco

Ao Vivo No Auditório Ibirapuera

[Independente; 2012]

7.3

ENCONTRE: Site Oficial

por Yuri de Castro; 05/09/2012

Criar identificação com a música do 5 a seco é por demais forte simbolicamente para eu não me abalar. Quando do ressurgimento do refrão em “Gargalhadas”, faixa que abre a gravação de “Ao Vivo No Auditório Ibirapuera”, é quase inconsciente o cantar simultâneo. Você para. Você reflete. “Ora, mas isso é Paulinho Moska”, você diz. Em vão. Surgem as palmas. Surge a segunda música – lá vamos nós.

Me pertuba mais a opção pela redução da distorção da guitarra do que o natural espanto com a familiaridade transmitida pela (agradabilíssima) voz de Pedro Viáfora em “Feliz Pra Cachorro” (uma das parcerias com Celso Viáfora presentes no álbum). Você está cantando junto há muito tempo desde que sacou o baile funk, o Peri e o Pará da (ótima) letra da música. Você para. Você reflete. “Ora, mas não seria isto um Lenine?”, você indaga.

Este tipo de movimento do interlocutor da obra de arte irá se repetir tais como os talentosos cinco meninos fazem com seus arranjos leninescos (por vezes evocando os da lavra também de Paulinho Moska) por todo o álbum, com exceção em alguns momentos: no semi-hit (com a própria mixagem deixando isto transparecer) “Pra Você Dar Nome”, no eu-caso-ou-compro-uma-bicicleta de “Ou Não”, em “Tatame” e (um pouco menos) em “Vou Mandar Pastar”. É um alívio, de certa forma, ver a recuperação de Lenine (ou Moska, em menor escala) na produção pop atual — já que a geração erra bastante ao emular (de forma tão artificial e precária) os recentes passos de Marcelo Camelo.

“Pra Você Dar Nome” é, talvez, a grande antítese de “Ao Vivo No Auditório Ibirapuera” por ser um exemplo de sofisticação involuntária em uma canção que justamente já encontraria abrigo menos frouxo no cancioneiro, por exemplo, de Victor & Léo, expoentes na música romântica e pop do país. Direta em seus ganchos, a canção interpretada e composta por Tó Brandileone aproxima esses mundos que os ouvintes do 5 a Seco provavelmente fingem ser muito distantes (e, claro, ignoram de forma blasé tal aproximação). É, infelizmente, a canção que não está (mas deveria) em pauta nos escritórios dos sertanejos universitários.

E por quê não está? A música pop contemporânea foi fomentada consciente e inconscientemente não por Lenine, mas por Djavan. Talvez seja “Hoje Eu Quero Sair Só” a única música do pernambucano que figure nos caderninhos cifrados dos cantores de bar, local de onde surge os cantores da MPB mainstream desde meados da década de 90 e que continua a abastecê-la (agora, no entanto, por meio do sertanejo universitário). Vale notar uma perspicácia presente no 5 a Seco: a quase negação da música sub-pop contemporânea, formada pela geração egressa da obra hermaníaca que ainda patina na tentativa de ser pop e Marcelo Camelo ao mesmo tempo. Ao incorporar tais influências (ainda que naturalmente se ouça os ecos de indie-rock), os cinco fogem totalmente disso e fazem muito bem se almejam o pop. Mas isso é mercado. E mercado não é música. Pelo menos aqui vamos tentar manter essa relação afastada.

O riff engana mais do que engrena em “No Dia Que Você Chegou” (que conta com Chico César em estado de graça). Ainda que se inicie com uma guitarra que poderia ser da banda carioca Autoramas, a grande sacada, às vezes, do grupo não são os arranjos (esses, decididamente muito próximos de seus ídolos) e, sim, aproximar-se do pop por através das letras. É, talvez, o grande exercício da banda enquanto corpo no balé esquizofrênico que é o mercado autoral brasileiro. Dançando entre o indie e o mainstream, o pastiche é quase uma obrigação e a válvula de escape do 5 a Seco, por vezes, são as letras. A tatoo, a tevê, a balada e o jeito zen evitam o constrangimento e deslocamento do uso de “cafundó” em “Tatame”, o preludio de “Ou Não” (que tem participação também sensacional de Lenine), com pilha de emails a encaminhar, com flyer de bar — sintonizam a banda com o que os alçou: as redes sociais.

O que se faz simbolicamente forte demais para eu não me abalar é o termo “agradável”; o 5 a Seco é, inclusive, agradabilíssimo. Lenine é hoje influência para os secos de sua média 25 de faixa etária porque soube medir de forma interessante sua verve pop com tudo o que sua arte lhe permitia ser extrapolador. E se hoje é um autor não muito notável para as novas gerações é porque caiu dentro de si mesmo — ainda que seja (e é) uma experiência sempre aprazível lhe assistir e ouvir.

“Ao Vivo No Auditório Ibirapuera” é um carinho dialogador com todos que entram em contato com a obra do 5 a Seco. Talvez seja um retrato de uma geração que, ao tentar fugir dos mestres óbvios criadores do lixo lógico* (cujas forças emanam na MPB desde a conversão da Tropicália em tropicalismo), acaba prestando tributo. Se é errado crer que isso não é um perigo para o exercício da inovação na música pop contemporânea brasileira, sei lá eu, não quero estar certo. Até aqui, a música dos cinco é pra quem ainda não foi o corno que vai matar e nunca foi o chato que gritou.

*“Lixo lógico” é uma clara alusão ao termo que estampa o novo álbum de Tom Zé. A tradução livre seria o inconsciente que certo choque de culturas produz fomentando os movimentos posteriores. Isto teria produzido os primeiros passos do que se convencionou chamar Tropicália e esta própria, notavelmente, produziu seu próprio lixo lógico.

**No site oficial é possível também baixar três músicas extras – não tão imprescindíveis mesmo: “Se Toca” (ao vivo), “Nó” e “Mesmo Quando a Boca Cala”