Hélvio Sodré | Polo

Nós tentamos discutir o que se convém chamar de gospel contemporâneo aqui e aqui. O atraso de falarmos de “Polo”, segundo álbum de Hélvio Sodré, é irrelevante, portanto, quando aproximamos este objeto de análise com os outros que passaram aqui pelo Fita Bruta. Isto dito, espero que a intro linkiparkiana e um maneirismo ou outro na voz de Sodré não te afaste de pontos importantíssimos que estão em “Polo”. Hélvio Sondré faz algo importante para o gospel contemporâneo; mas ainda são pequenos os passos em direção a uma estética interessante neste gênero.

Ainda não apresentem gana em transgredir algum tipo de estética, há um pop que foge dos dispensáveis arremedos da galera que hoje tenta ganhar a vida sendo vendida pela Som Livre. Em 2010, o Palavraantiga havia lançado o bom “Esperar é Caminhar” que já apontava uma tendência menos pueril na tentativa de compreender simbolicamente cristã o século XXI. Assim, qualquer coisa semelhante ao Rosa de Saron se tornou inútil. O problema é que isso foi muito tardio. Assim, “Polo”, por exemplo, é obviamente um álbum importantíssimo para o que se convencionou ser “jovem” no mundo gospel. Ao mesmo tempo, acaba se tornando peça sem arroubos ousados para o pop-rock-indie feito fora dos padrões do gênero. Um exemplo é o recente disco “Aleluia”, da banda Cascadura a qual fosse oriunda de alguma igreja protestante acrescentaria muito mais ao gospel por introduzir em suas letras uma certa inquietação com temas que envolvem identidade, pertencimento, relacionamento, espiritualidade e violência.

É claro: tá pra nascer um artista que consiga recuperar o atraso da mentalidade que se instalou na cabeça dos jovens protestantes que se inspiram em compor canções que quase nunca traduzem a ansiedade de almas que vagam pelo consumo e pela industrialização, pela indecisão e apatia em relacionamentos tanto quanto na vida política. Isso quer dizer que a temática ainda repousa em um sossego na paz de Deus versus tentações (que raramente são explícitas). Ou seja, a música que se diz gospel no Brasil ainda está longe de ser universal ou, ao menos, tentar falar com alguém que não esteja basicamente encucado com os dilemas que a religião oferece. Portanto, infelizmente, a discussão é quase sempre inicial.

O grande mérito de Hélvio Sodré é o êxito que “Polo” possui em admitir inspirações. Impossível, por exemplo, não cantar junto em “Canção de Graça” que soma em uma única canção quase todo o limiar do pop-indie brasileiro ao mesclar metais em um samba-rock digno de ser levado para qualquer culto sem prejuízos ao louvor. E, o melhor, poderia estar em qualquer rádio. E aí está outro mérito de “Polo”: os refrães. Hélvio centrou a canção em pontos limpos de memorização estritamente religiosa. Ou seja, a sensação de pertencimento do ouvinte não familiarizado com as temáticas é nitidamente mais agradável por causa dos refrãos — mesmo se a música conter tópicos claros como “salvação” ou “amor de Deus” nos versos antecedentes. Um exemplo é “Tempo pra Mudar” que possui versos e instrumental contestáveis “o vento vem pra te soprar como a um balão”, mas possui força e alento no refrão sobre conformismo. Na produção, Ronan Barros parece conduzir “Polo” com excessivo cuidado estético — assim, o álbum parece, mesmo ao emular sonoridades mais próximas do new metal, quase nenhum arroubo mais espontâneo.

Não está muito óbvio que t0dos os pontos chaves e ótimos de “Polo” será convertido em um futuro mais interessante na música gospel. Há uma miscelânia de ritmos não muito conclusiva que gera mais confusão do que propriamente liberdade de experimentação; onde o problema não é a mistura, mas sim o jeito como ela é feita. “O amor de Deus nos faz cantar”, por exemplo, soa pueril em uma tentativa de rockabilly com palmas que quase chegam aos pés de uma música ruim d’O Teatro Mágico; o country “Curtir a Vida” nada tem de narrativa, não empolga, não inspira (com exceção, novamente, do refrão, habilidade clara de Hélvio). Mesmo assim, não há como condenar a tentativa. Mas ela ainda é pouco esforçada em prol de se tentar mudar o marasmo artístico que ocorre em toda a vida gospel dos anos 80 pra cá. A solução me parece clara: é preciso tentar entender com mais sensibilidade o sentimento que nos toma – e isso não quer dizer que é preciso descrever bem o sentimento, como em um diagnóstico. Em 1997, “OK Computer” se tornou um marco pois soube se antecipar não somente ao século XXI, mas também a nossa própria ansiedade (tecnológica, comportamental). De 2008 em diante, algumas peças do pós-dubstep (inclusive moleques de 16 anos) conseguiram sintetizar em uma estética quase tudo isto também.

Se a matéria-prima do gospel é Deus e a relação do homem para com esta visão teocentrista da vida, não há como negar uma fonte inesgotável de pontos de partida para tentar ser menos raso, principalmente porque efemeridade pode ser causada justamente por um tipo de desapego do eterno. Mas esta discussão pouco está nas discografias recentes do gospel — e passa, ainda, longe do material de Hélvio Sodré. “Polo” é um dos passos para o início dessa superação. Mas os vícios do gospel são tão grandes quanto os “mundanos” – e quase nunca superiores em qualidade.