Uma das maneiras de entender as mudanças pelas quais a música de James Blake passou ao longo dos últimos 3 anos é olhar para as imagens que apresentaram cada uma dessas obras. Quando o jovem produtor londrino surgiu, ainda lançando por selos pequenos de música eletrônica, suas faixas eram colagens de samples cujo resultado final era, principalmente, estudos meticulosos sobre o uso da voz como instrumento central. Não era sua voz, no entanto, como não era também a sua cara na capa desses lançamentos, que traziam o layout dos selos que os colocaram nas prateleiras. A mudança veio com o EP “Klavierweke”, lançado em setembro de 2010, que apesar de pertencer conceitualmente à “primeira fase” da carreira do artista, já guardava traços do que viria a seguir.

Talvez numa surpresa comparada ao momento em que Chet Baker deixou o trompete de lado em “Chet Baker Sings”, o ressurgimento de James Blake como cantor no cover de “Limit To Your Love” de Feist deixou todos que acompanhavam sua música desconcertados. O garoto que brincava com as vozes dos outros tinha sua própria e poderosa voz. A capa do single, uma fotografia com efeitos de movimento do rosto de Blake, mostrava o artista filtrado, como se ele ainda estivesse tentando escapar, se esconder de alguma coisa. A mesma imagem foi usada durante toda a divulgação do primeiro álbum do rapaz, apropriadamente nomeado “James Blake”, que acabou terminando como o disco favorito de 2011 dos que escrevem para esse site.

Em “James Blake”, as músicas são construídas como se a voz tivesse tentando fugir dos ambientes minimalistas (só havia pianos, texturas, voz e ausência) e claustrofóbicos criados pela instrumentação, que casam tanto com a tal imagem que ilustra fase, quanto com os os sentimentos amargurados das letras Blake. Era como se ele tivesse se quebrando e se colando a medida que canções como “Lindsfarne” e “The Wilhelm Scream” evoluiam. “James Blake”, em geral, falava sobre a saída da adolescência, um disco sobre amadurecimento, sobre o processo de juntar os cacos para escapar.

“Overgrown”, o recém-lançado segundo disco de Blake, é então o que vem depois, a busca por um porto, por um sentimento mais sólido onde se possa ancorar. E uma das versões da capa (acima), o jovem agora com 24 anos aparece olhando ressabiado para o ouvinte, prostrado frente a uma pintura que meus parcos conhecimentos de história da arte catalogariam como impressionista. Lá estava ele de novo, dessa vez de cara lavada, sem efeito nenhum, e mesmo assim, mais colorido e aparentemente mais seguro do que há 2 anos. A música que acompanha a imagem é igualmente diferente, ainda que tenha um pouco de tudo que ele fez até aqui. “Overgrown” soa como uma continuação natural do primeiro disco, trocando o minimalismo daquele álbum por um som mais cheio, mais variado, mais quente. É um álbum com várias nuances, refletindo a miríade de sensações dos dois últimos anos em turnê e também do tal porto-seguro que ele encontrou, um amor transatlântico e não exatamente bem resolvido com a guitarrista do Warpaint, Theresa Wayman.

“Você está sozinha / No lugar que você cresceu / Mais alguns anos pela frente / Não deixe o obstáculo te deter / Seja a garota que você ama / Seja a garota que você amou”, pede ele à amada em “Retrogade” com uma certeza incomum para o garoto que canta “Eu já não sei mais do meu amor” a pouco tempo atrás. Não foi por acaso que a música foi escolhida para apresentar “Overgrown”: “Me mostre onde você encaixa”, repete Blake sobre uma base onde o espaço desempenha uma função menos importante. Ele fala sobre tomar ação, estar aberto ao que vier e viver as consequências – temas que se repetem ao longo do álbum. Um dinamismo que se entranha também pela música que acompanham as letras.

Essa nova fluidez chega a assustar no inicio. O que “James Blake” tinha de imediato, nervo exposto que era, “Overgrown” tem complexo. É um disco mais difícil de se gostar de primeira, mas há muitos experimentos não menos intoxicantes do que as peças minimalistas do disco de estreia. Para os que o apelidaram de “príncipe do dubstep”, há os ritmos mais agressivos de “Digital Lion” (obra dividida com Brian Eno) e “Voyeur” (mais próxima techno e das pistas). Para quem busca as paisagens mais vastas testadas no EP “Enough Thuder”, há a faixa titulo (uma exibição fora do comum de controle vocal e produção) e “To The Last”. Para quem vem buscando o cantautor moderno do cover de “A Case Of You”, há as confessionais “Our Love Comes Back” e “DLM”, que narram com franqueza e propriedade a loucura e a doçura do primeiro amor.

No entanto, “Overgrown” brilha mesmo nas faixas – “I Am Sold” e “Life Round Here”, principalmente – em que Blake trabalha trasnfigurando a sua maneira o formato tradicional da canção. No melhores momentos dessas canções, a sensação é como se ele estivesse transformando uma dessas figuras pré-desenhadas que crianças gostam de colorir num painel de Monet. Algo próximo, mas nunca táctil, nunca óbvio, e geralmente magnífico.

As aproximações com o hip hop em “Take A Fall For Me” e a faixa de encerramento da versão deluxe “Everyday I Ran”, soam mais interessantes do que propriamente boas. Há algo para ser acertado, mas sao ideias boas o suficiente (especialmente na última) para abrir a porta para mais experimentações do tipo num próximo momento. (James Blake produzindo um single do Drake ou gravando uma ponte para o Kanye não parece um futuro tão distante e estranho assim, afinal).

Para dizer o óbvio e explícito no título, “Overgrown” mostra o crescimento de James Blake nos últimos anos, na mesma medida que indica vários caminhos para onde ele ainda pode e provavelmente irá crescer. Se o clima estático de “James Blake” soava mais como um (necessário) passo ao lado do que um passo à frente, nesse segundo disco ele está de volta ao campo aberto da experimentação. E em movimento, finalmente.