Julia Holter pede um momento. Calma, sussurra sozinha no escuro na faixa de abertura, “World”. Não há nenhuma armadilha para capturar o ouvinte. Praticamente a capella, ela desdenha dos lides cancioneiros dos tempos do streaming. Essa inércia é a antítese que abre “Loud City Song,” quarto álbum de estúdio da americana. Depois de se aventurar no sublime em “Ekstasis”, antecessor na discografia, ela agora põe os pés na cidade e apaga todas as luzes.

Julia canta as músicas como um interlocutor que fala sozinho, numa realidade em que todos os sons ao redor são gerados espontaneamente num daydreaming sereno. “Loud City Song” é mais enxuto e passivo que seu antecessor, cabe num vinil simples e é conduzido com uma harmonização mais clara entre seus ruídos e silêncios.

São canções gestadas num aquário de ecos; uma cidade que se cala para se ouvir. Seja no suspense da correira laboral em “Horns Surrounding Me,” uma música tensionada, em crise. Ou na apatia familiar em “Hello Stranger,” onde ela usa harmonizações vocais etéreas, mais breves que as de Julianna Barwick, numa cama de violinos dóceis.

O álbum reserva pequenas graças em detalhes. Tome “In the Green Wild” como exemplo, faixa intrusa entre as duas supracitadas. O início é um conto narrado por Julia guiado pelos graves do contrabaixo acústico, com eventuais cordas funcionando como zumbidos. Nas migalhas, a estrutura se transforma. Começa com um backing vocal, o ritmo acelera de pouco a pouco; aí a voz some, o grave do baixo entorta e o arranjo de cordas sobe. É uma pena ser muito difícil imitar os traquejos vocais da cantora, porque nessa meiota da música ela chega no ponto chave onde coexistem o furor e a calma. A letra diz que essa sensação o jeito gracioso de caminhar entre as flores. Seja isso, ou não; o ouvinte chega lá.

De volta ao diálogo com “Ekstasis”, “Maxim’s” é a “Goddess Eyes” da vez. Dividida em duas partes, uma no início e outro no fim do álbum, as faixas são exercícios de reinterpretação da dona do disco. “Maxim’s I” é regida na classe; “II” chama o caos. Em sequência formam um choque de experimentações, um tributo notável ao gênero free jazz; um dos nortes de “Loud City Song.” No aspecto físico da matéria, é legal pensar que uma entraria no “Lado A” e outra no “Lado B.” Cada qual com o aprovação da própria microfonia.

Depois de tantas fases, o deleite no final do álbum ainda descobre mais. Em apenas dois minutos, “He’s Running Throught My Eyes” é um bela introdução da sucessora, “This Is a True Heart.” Uma canção com um quê de melodia pop nipônica em adição ao estilo das demais músicas. “City Appearing” põe a rotina em suspenso e a analisa na linguagem que Julia criou para o álbum. O pouco caso urbano é virado ao avesso, e vira o supra sumo do que há.

Em “Loud City Song” a chave da multiplicidade vira no anti-horário. É muito a se ver, ouvir e identificar. Julia Holter põe tudo em simultâneo na provocação de que o barulho da cidade pode soar diferente.