Neon Indian: Era Extraña

Só posso entender a proximidade cronológica e genética (são irmãos) entre Psychich Chasms e Era Extraña como um fenômeno à Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Ambos tendo o mesmo ponto de partida artístico – a famigerada chillwave e a mente de Alan Palomo – cada qual firma destinos e descreve trajetórias bastante diferentes, quase opostas, não fosse alguns valores e mesmo um plano estético perceptível em ambos. Um se mostra o projeto realizável, outro a derrocada desse mesmo projeto, como se não lhe fosse possível – ou como se não fosse possível a Palomo – criar mais de uma obra significante, vista desse ponto, feita com essas cartas. A empreitada deve ter sido acidental, mas em pouquíssimo tempo de existência artística, o Neon Indian resumiu uma geração.

São dois lados de uma mesmo moeda.

Comecemos pelo menos lisongeante e mais recorrente, o da lógica do efeito. Estabelecido o glo-fi como um rótulo justamente por haver uma abundância de produtos, tão infinitos em quantidade quanto finitos em qualidade, é normal que o que talvez tenha sido criado como uma estética acabe se resumindo a um amontoado de manobras, pequenos truques e grandes atrativos, à medida que se estabelecia como uma onda. Uma onde vem, vai, deixa alguns vitoriosos na orla e o mar mal vê que ela passou, já que logo atrás vem outra. E à medida que ela se forma, o mais comum é o que significado se perca e o que reste seja pouco mais que uma forma, uma fôrma, a que alguns se adequam, se adaptam, se forçam.

É nesse ponto que a lógica do efeito parece surgir. A música que surge desse raciocínio trabalha com atrativos, se pauta por ornamentos, se enche de acessórios e acaba cheia de penduricalhos tão brilhantes (reluzentes) quanto insignificantes. Tal é o caso com Era Extraña. Embriagado pela possibilidade de um dispositivo, mas não necessariamente em conflito com ele, o que Palomo consegue, nesse segundo disco, é se firmar como inócuo. Delimita-se um corpo, todo fronteira, e o que mais se vê – a composição, nesse caso, é mais visual do que sonora – é superfície, falta de conteúdo (sonoro mesmo, dissociado de qualquer conteúdo textual, letrístico).

Experiências formais não são novidade e a decepção, nesse caso, é que não haja uma satisfação formal e que a empreitada não tenha nada de ruptura. É nesse sentido que, despido de maiores sentimentos, de algum tipo de sondagem subjetiva, mesmo, Era Extraña se mostre comum, um bocado medíocre e outro tanto rasa.

A pergunta que não parece ter sido feita, nesse caso, é a que mais parecia ter sido respondida, em outro, a saber, em Psychich Chasms: por que fazer um disco? O discurso que elucidava a questão, na estréia do rapaz, era o que punha uma profundidade sentimental e um esforço a toda hora reafirmado de encontrar sentido no efeito e mesmo criar o primeiro a partir do último como horizonte de realização de um álbum. Assim trabalha a lógica do sentido: se ornamenta com a certeza de que ali há substância, a mesma que encontrava, num espaço intergalático de um futuruo imaginado pela utilização do passado – e justamente por se utilizar de em vez de habitar esse passado, não se fazer tão retrofuturista quanto se poderia esperar – um pingo de humanidade. O mais interessante, nesse sentido, era que houvesse profundeza num passado eternamente redescoberto e num ambiente intergalático tão ilimitado e, por isso mesmo, sem muito parâmetro pra estabelecer o que é raso e o que é fundo.

O maior erro, nesse sentido, é que a pretensão que parece guiar a dinâmica da música de neon – bonitinha, mas ordinária – de “Era Extraña” acabe irrealizada. Nem a memória de diversão nem o arrebatamento de uma comtemplação. Só o meio termo, o mal acabado.