Quando Nevilton Alencar diz que mesmo sem uma cachaça, tudo tem alguma graça e, isso, mesmo efêmero, é o que faz o coração viver, ele está iluminando o cotidiano de um par e se auto-biografando (e também a seus parceiros de banda) mesmo que involuntariamente. Peça singela no que ainda se classifica como rock na música popular brasileira, Nevilton compõe e lidera o trio umuaramense de uma forma um tanto elegante se comparado ao que o gênero vinha oferecendo recentemente. “Sacode!”, então, é um prolongamento das qualidades da banda, que ainda aguarda uma intervenção divina para que alguma programação massiva consiga entender que quase todas as músicas desse álbum são possíveis em algum ponto comercial.

Em condições normais de temperatura e pressão, seria um grande mérito o que Nevilton, Éder Chapolla e Tiago Lobão fazem em 2013. Até chegarmos à faixa que dá nome ao álbum, enfileiram-se cinco músicas que mesclam o que o mainstream internacional chama de “rock alternativo” com uma certa identidade que o Nevilton vem confirmando em sua obra, seja por meio da ótima voz ou pelas letras que passam a limpo o cotidiano a dois. Falo “em condições normais de temperatura e pressão” porque não há quem absorva comercialmente essa capacidade da banda. O que pode ser lastimável é também um retrato de uma rixa que ainda não soubemos superar. Por isso, encaro “Crônica”, faixa que abre o álbum, muito mais do que um relato dos tropeços e acertos de um casal no dia a dia; coloco banda e mercado como o par personagem da música.

Em “Sacode!”, “Só Pra Dizer”, por exemplo, é uma faixa que dialoga com tudo o que uma banda como o Barão Vermelho não conseguiu fazer pós-Cazuza (do mesmo jeito que “Noite Alta” poderia estar em qualquer álbum solo do Nando Reis porque é o que o Nando Reis sempre tentou fazer e nunca conseguiu. Repare aos 02:22.). A seguinte, “Porcelana”, ainda não seja uma das melhores do álbum, deixa em voga como o Nevilton absorve música – e está longe de ser somente rock. Porque é o seguinte: ainda você seja muito vidrado nos timbres de uma banda mediana como o Black Keys, se você dialoga apenas com isso você não será nem o cover de Black Keys. “Vou Ver O Mar”, então, não soa absurda se encarada como dona de uma intro em homenagem a “Optimistic”, do Radiohead. Depois as coisas mudam e se transformam em tudo o que transformou o Nevilton – seja isso os Novos Baianos, os Raimundos, Carlos Miranda ou o Raça Negra.

Antes disso tudo, é preciso reunir algumas faixas de “Sacode!”. São elas: “Satisfação”, “Crônica”, “Noite Alta” e “Sacode”. Essas quatro músicas destoam inclusive do próprio álbum. Acima da média, serão, a longo prazo, vítimas de uma época de controvérsia gigante e intolerante entre mercado e produção independente. E, caso ainda não se tenha percebido, é deste momento para frente que os corações utópicos agonizam; é a contradição de ser novidade sempre para um público que vive afastado das notícias que correm por fora do mainstream e, mesmo que competente, não supreendente para quem já se acostumou com a direção daquela arte. Assim, “Espero Que Esteja Melhor” e “Friozinho” fossem em estilo maioria em “Sacode!” tornariam esse álbum irrelevante ainda esteja bem perto do impecável quanto à produção (e é, leitor, provavelmente o que você mais percebe aqui nas resenhas que fazemos no Fita Bruta). Mas não é o que acontece; as duas são exceções no todo.

“Sacode!”, infelizmente, não é um disco que vai tocar além dos palcos onde o Nevilton se apresentará. E isso tira muito do brilho para o qual nasceu destinado: as rádios e um público que reclama no escritório que o rock dos anos 80 nunca mais se repetiu no Brasil. Mesmo que tirando proveito de 30 anos, o Nevilton força o gênero a abrir uma página no livro de registros para uma década que pode ter pouquíssimas guitarras protagonistas como representantes relevantes da música popular no Brasil.

Em 2013, o Nevilton faz músicas que deveriam tocar nas rádios – mas que nunca irão. Um desperdício pra ambos – mas que não impede o movimento dessa banda em guitarra, baixo e bateria novamente para algum protagonismo na MPB contemporânea. Que antes de se diluir, o Nevilton ligue para quem lhe acompanha em tantos planos e consiga medir quem pesa mais na equação: prestígio ou mercado.