Existe um mundo paralelo na música pop onde só existe o Pearl Jam. Eles vivem sozinhos nesse planeta distante, com todos os benefícios que a solidão pode promover. Em contrapartida, também existem perdas para quem escolhe viver sem pares. Se é imune às tendências e à certa implicância da crítica musical, o isolamento trouxe também uma indesejável imunidade à mudança. Indesejável para os ouvintes, é claro: sem os grandes demônios internos que motivaram seus melhores discos na década de 90 (os excepcionais “Vitalogy” e “No Code”), os sobreviventes de Seattle tem feito música para os adultos comportados que eles agora são. Se numa canção perdida de “Yield”, lançado em 1998, Eddie Vedder cantava que ia “parar de tentar fazer a diferença”, seu novo disco com o Pearl Jam fecha uma trinca de álbuns em que a banda leva a frase ao pé da letra.

Mesmo depois de “parar de tentar”, a banda americana ensaiou uma volta à velha forma com o ótimo “Binaural”, lançado em maio de 2000. Ali estava mais uma prova de que o Pearl Jam é um alienígena no mundo do rock comercial, com um álbum classic rock, em essência, mas cheio de possibilidades. Nenhuma delas apontava para o rock-de-macho que dominava às rádios, muito menos ao novo-velho-indie que começava a despontar com seus Strokes e Whites Stripes. Com faixas que passam tanto por territórios pouco explorados (como a imensa “Of The Girl”, provável última grande composição da banda) quanto por paisagens usuais (Who, Young, Pink Floyd), esse álbum é a nêmesis de “Lightning Bolt”: com estrutura quase similar, os discos confrontam as grandes qualidades e os piores defeitos do Pearl Jam.

Se iniciam, até, de maneira idêntica, em três números mais rápidos e pesados com variações de punk rock e hard rock. Na bolacha de 2013, “Getaway”, “Mind Your Manners” e “My Father’s Son” dão impressão errada sobre o conteúdo do disco, bem menos robusto do que seus 10 minutos iniciais indicam. A abertura, apesar da execução “técnica”, tem força ignitiva, garantida pelos ganchos vocais típicos dos anos 80 de um Eddie Vedder em estado de graça. Vedder também vai muito bem no punk-Califórnia de “Mind Your Manners” e no groove de “My Father’s Son”, faixa em que divide os holofotes com o baixista Jeff Ament. Como em Binaural, o trio raivoso abre passagem para uma balada romântica. Aí entra a mão pesada do medíocre produtor Brendan O’ Brien, adicionando ainda mais açúcar na bomba de sacarose “Sirens”, uma triste e desnecessária incursão da banda nas rádios adulto-contemporâneas. É o tipo de música que o Pearl Jam sempre foi acusado de fazer e influenciar, mas nunca chegou a praticar, de fato. Faz, agora, sem nenhum benefício lógico: não serve à banda comercialmente e, obviamente, não serve artisticamente.

Depois desse ponto, pouca coisa pede uma audição mais cuidadosa. O que sobra de sutileza é concentrado em “Pendulum”, faixa que brilha muito mais que o entorno ao fugir das composições baseadas nos cânones do rock clássico e se apoiar num riff processado de sintetizador e percussão tribal. Fora isso, temos o Pearl Jam homenageando Who (“Lightning Bolt”) ou R.E.M. (“Swallowed Hole” e “Yellow Moon”), como fez em “Backspacer”, há quatro anos: da maneira mais preguiçosa possível.

Sobre esse disco, há uma resenha bastante cruel publicada no Pitchfork. O autor dizia, resumidamente, que parte da crítica nunca ligou para o grupo quando eles eram a maior banda do mundo e, ainda assim, experimentavam outras possibilidades. E que era incompreensível fazer “música de manual” justamente agora que o mundo pop praticamente ignora sua existência. A conclusão é cruel porque revela como a crítica de música constrói e destrói mitos baseados apenas nas suas possibilidades publicitárias. Mas é ainda mais cruel porque é severamente verdadeira. O Pearl Jam, infelizmente, parou de tentar.