Siba: Avante

Um disco é um filho e, fruto de parto, adoção ou destino, nasce para os pais e cresce para o mundo. Siba sabe bem disso. Estampa a consciência de uma herança logo na capa de “Avante”, seu primeiro disco propriamente solo. Se tivesse voz, imagino que a capa diria, por ele: “É isto o que deixo”.

“Avante”, nesse sentido, é uma interseção de traços e vontades. Um álbum que carrega, em seu desejo de futuro, um bocado de passado. Há tempos seu dono faz música – anos, e muitos – e da última vez que o ouvimos, estava às voltas com música tradicional nordestina, acompanhado pela Fuloresta. Munido de regionalismos , traçava um caminho a universalidades.

O trajeto, aqui, é invertido. Pois “Avante” se firma, desde o início, como a utilização do mais universal dos gêneros – o pop – para a criação de uma voz, uma individualidade. Muito embora carregue uma radiofonia hipotética – e, portanto, a capacidade de cativar um público considerável, seja lá o que isso for a essa altura do campeonato – o disco surge de um esforço de autoralidade, uma articulação não só entre os tempos de um autor, mas também entre as várias vozes – o pop, o rock, o maracatu e a MPB – que fazem casa em uma só garganta.

Que voz é essa? São as alegrias e os leves lamentos nordestinos que Siba canta, voz calejada e desabrida, ao longo do disco. É o repente elétrico da faixa título, a única em que a história não se faz presente por um leve meneio de cabeça, mas pela citação direta que a guitarra faz, logo no início. É também a produção acertada e colorida de Fernando Catatau – guitarrista do Cidadão Instigado – sempre ocupada em acentuar os ganchos por timbres e efeitos – e, assim, fisgar a atenção do ouvinte a todo momento, dificilmente entediado, ao longo das canções.

Se há a certeza de que “Avante” é um projeto autoral, no entanto, sua realização plena é incerta. Em meio às conciliações que realiza – entre o particular e o universal, entre passado e presente, entre o agradável e o inevitável – acaba perdendo um pouco de sua vitalidade. Dificilmente seria justo chamar “Avante” de um disco covarde – é, antes de tudo, um disco acomodado, satisfeito, na maioria das vezes, apenas em satisfazer. O que, sejamos sinceros, simplesmente não é o suficiente, quando se trata de uma narrativa e de um gênero tão velhos e tão prescritos quanto o pop. É por isso que, na maioria das vezes, o que se tem, em “Avante”, são canções afáveis, divertidas, bem executadas e, talvez, até espertas. Canções que cumprem o papel de entreter enquanto não abrem mão do que se chama, aqui, de voz – “Avante” não é, tão só, um disco de supermercado. O problema, dito isso, é que para ser um trabalho tão sólido (bom) quanto “bonito de se ouvir”, teria de ser formado por canções perfeitas, ou quase isso, e é justamente o que as faixas em questão não são.

O que não significa que o trabalho esteja isento de catarses maiores, como “Preparando O Salto”, a já mencionada faixa-título, e “Qasida”. É no segundo exemplo, inclusive, em que o perigo de um regionalismo amenizado é maior, que a vitalidade que falta em parte do disco mais sobra. Em sua última parte, a canção, por assim dizer, para no tempo: daí pra frente, só se ouve uma célula sonora repetida à exaustão e até o fim. Quase uma hipnose, não fosse o fato de que é baseada num cenário previsível que a canção se expande, uma linha de guitarra descendo, decidida, num dedilhado implacável, enquanto o xilofone se descontrola, feliz e certo. É só em momentos como esse – ou no vai e volta da linha de guitarra de “Preparando O Salto”, por exemplo – que a força do som se equipara ao esmero das palavras. As letras, aqui, são de um rebuscamento leve que, se pautando pela precisão de imagens e incursões quase épicas, aqui e ali, não se perde em pompa ou circunstância.

“Quem parte berrando avante pode cair, mas não volta”, canta Siba. Seu “primeiro” berro não é bem o alçar de asas que a primeira faixa prevê nem a queda do guerreiro que se pinta. É, antes, um primeiro passo. E uma pequena promessa.