Torres: Torres

Ser cantor/compositor é dureza. Ainda mais na flor da idade, como faz Mackenzie Scott, a moça que põe o rosto – e, à primeira vista, despida de maiores informações, o próprio nome – no disco autointitulado aí em cima. Pra ela e pros outros que seguem uma linha artística digna do termo duplo, a vida é mais difícil porque o ponto de partida é o da confissão, da solidão – e do centro absoluto das atenções. Ao cantor/compositor, é como se a banda não existisse, ou só existisse a uma revelia que ele talvez nem perceba, um planeta enorme (uma presença) de criatividade ou caráter documental pesados demais pra se diluírem em outros eus, outros instrumentos. Dos músicos, é geralmente o que tem menos vergonha de cantar “eu”. O mais egocêntrico dos músicos.

O que pode dar certo. Não faltam exemplos: Dylan, Rundgren, Mitchell, Apple, Newsom, etc. O problema é que, quando a história descamba pra má qualidade, pra página rasgada de diário, pra mera e ó-tão-bela-e-inenarrável-sinceridade, a coisa toda desanda miseravelmente. A tragédia, nessas ocasiões, é que os donos da voz e das canções achem que podem se safar por simplesmente rasgar o peito, à esquerda, e mostrar o que julgam ser o mais importante e profundo de suas vidas: um coração.

O que não necessariamente é o mais importante ou interessante em arte, e é justamente esse o problema do disco de estreia dessa cantora americana vinda de Nashville. Torres pode ser um nome fantasia, mas o maior problema do disco é a falta de imaginação. Satisfeita com os próprios sentimentos, a moça faz um disco que parece apenas um simulacro, uma cópia de tudo que vê e crê e sente, o que é tanto uma falha quanto uma ingenuidade. Ouvir “Torres” é como escutar alguém dizer que documentários só “falam a verdade”, só tratam disso. Como se não houvesse recortes, representações, sensibilidade de filme, edição, decupagem, fotografia, trabalho de câmera e uma cacetada de outras coisas que definem – e subjetivam – esse ou aquele filme.

No caso de Torres, é como se, partindo da própria vida, a cantora voltasse a ela mesma, uma espécie de círculo vicioso que aprisiona a guitarra em frases pensativas, vagarosas, “profundas”. O que acontece em frente aos nossos ouvidos é um diário sendo escrito em som, sem pudor, sem artifício, “sem representação” porque se insere num estereótipo que não diz mais nada. Se contenta em escancarar, em vez de criar, propõe ao ouvinte a simplesmente sentir, a cantar junto, a ser inadvertidamente cativado – não conquistado – por uma música que pretende descobrir, simplesmente desvendar algo que talvez não seja de tanto interesse. “Mother Earth, Father God” é uma cançãozinha elétrica barroca cujas maiores bolas – minúsculas, aliás – são o timbre grave da guitarra e a seção de cordas como adornos de dramaticidade a uma canção cuja ameaça inexiste, “Honey” um lamento cujo crescendo é supostamente uma tristeza que vai tomando proporções maiores – e, mais uma vez, supostamente – e mais catárticas à medida que a bateria se intensifica e a guitarra se faz mais presente. E o resto na mesma linha não de repetição, mas de redundância antecipada. “Chains”, lá pelo meio do trabalho, uma sensualidade de sintetizador grave e batida regular e baixinha, diz muito: “Feed me something real while I’ve got you left in my vein”. Preso à própria alma, “Torres” é “cru”, mas não é o suficiente.