O Fita Bruta ainda não existia neste formato que vocês conhecem quando o Vanguart trazia à tona um álbum de canções que oscilavam gravemente em qualidade. O ano era 2011, o Fita estava em teste sob o nome “Na Fita” e o álbum se chamava “Boa Parte de Mim Vai Embora”, o segundo da carreira dos cuiabanos. Nele, decisões certeiras e possivelmente radiofônicas como “Depressa”, “Se Tiver Que Ser Na Bala, Vai” e “Mi Vida Eres Tu” (uma das melhores daquele ano) disputavam espaço com canções muito ruins, desequilibradas, desarmônicas em suas respectivas estruturas de voz, letra, canção.

Um álbum afobado de uma banda que sempre deu alguns sinais de que lutava por algum esmero — ainda caminhasse por trilhas tortuosas carregando nas costas críticas lunáticas que a rotulavam como “banda que compôs um hino de uma geração” (diziam alguns jornalistas sobre “Semáforo”) ou mesmo consideravam seu vocalista como “a maior voz do país”. De fato, em curto espaço de tempo, a banda foi – com méritos – uma das principais do país, mas os apupos vieram na mesma proporção dos elogios desesperados de uma crítica inocente e atordoada com a profusão de bandas surgidas no começo da primeira década.

Tudo isto se tornou necessariamente introdutório para se falar de “Muito Mais Que Amor”, o terceiro álbum. Conquanto não percam o fôlego – condição quase obrigatória para artistas surgidos nos 00 -,  Hélio Flanders e companhia terão neste registro um grande marco na discografia. É ele que crava a banda em seu lugar exato. Em “Muito Mais Que Amor”, o Vanguart está definitivamente longe da megalomania do estrelato impossível para sua estética pouco popular ou de pouco rompimento. E, ao mesmo tempo, permite que a banda se realoque e finque pés naquele lugar onde é possível o encontro de quem se encanta demais com a lírica mediana das composições com àqueles que resistiram ao hype mas não ao ponto de negar cegamente os talentos da banda. É em seu terceiro disco que o Vanguart consegue o primeiro equilíbrio da discografia. Isso talvez seja assustador que esse resultado venha somente agora uma vez que passamos a nos acostumar com um mercado efêmero e salivante por registros impressionantes.

Em “Muito Mais Que Amor”, os símbolos da banda são menos urgentes. Na poesia, na força das canções e também nos erros. Nisto consiste o equilíbrio. “Estive”, faixa que abre muito bem o álbum, é menos densa e urgente que a última inaugural “Mi Vida Eres Tu”. Ainda assim, a canção permite que o disco seja lido em sua ordem e, principalmente, nas intenções da banda. É, leitores, isso tem sido raro nos últimas lançamentos nacionais — quase todos tomados por uma apreensão de serem superestimados ou subestimados. E o melhor: quem justifica isso é o próprio álbum que caminha sem desleixo nas propostas dispostas na própria obra. E mais: do catálogo desajeitado da gravadora Deckdisc, é a única que consegue sobrepor estética a uma padronização que parece nortear todos os álbuns de pop-rock saídos da pressa e prensa do produtor artístico Rafael Ramos. Mas, voltemos.

A segunda faixa mais contundente é “Demorou pra ser” — marcante também pela presença agora naturalizada do violino de Fernanda Kostchak — e, aqui, alocada exatamente na segunda posição do disco. Insisto nessas marcações. O tamanho desequilíbrio dos álbuns anteriores acentuava o desconforto do ouvinte com o vocal (por vezes realmente desgastante) de Flanders e com as próprias intenções folk incomuns ao mainstream brasileiro; em um sistema lógico (e também mesquinho), odiadores odiariam e, claro, apaixonados louvariam. Com calma, no entanto, é possível apreciar sem ressalvas canções de menores ambições mercadológicas (seja o que for o resultado desse termo na esquizofrenia brasileira) como “Meu Sol” e a bonita “Pra Onde Eu Devo Ir?”. Ainda seja superior aos dois outros lançados, não é um álbum espetacular. Finalmente, contudo, de cabo a rabo, é um álbum que consegue afastar paixões deslumbradas. E, provavelmente, fará boa companhia a um set list ao vivo de dar inveja a muitas bandas que surgiram na mesma época. Do primeiro e homônimo álbum, de 2007, “Hey Yo Silver”, “Semáforo”, “Cachaça”, “Enquanto Isso Na Lanchonete”, “Los Chicos de Ayer” se juntam com as já citadas do segundo em um show que pode ser conduzido pela carga deste mais recente lançamento.

Que seja dito: “Muito Mais Que Amor” é um disco de pertinência muito maior para a banda do que para quem precisa achar um herói. Essa busca tem sido feita com velocidade amargurada desde que ficaram expostas as primeiras cicatrizes da relação entre artistas, gravadoras e veículos de comunicação no país. Como se não tivesse defeitos próprios, o Vanguart também foi ás de sua própria via-crúcis quando tornou-se um dos modelos de um sistema de oposição ao mainstream, o Fora do Eixo, que nunca conseguiu traduzir-se em fatos na história musical recente do Brasil. Nesse percurso, Flanders, Reginaldo Lincoln, David Dafré, Douglas Godoy e Luiz Lazzaroto tomaram cuspes e pedras sem que fossem Jesus, tampouco Judas. Com “Muito Mais Que Amor”, a banda se afasta do épico e também daqueles que, a todo o tempo, só fazem lavar as mãos (e delas colocarem em riste o dedo indicador). É um agora tardio e frustrante. Mas é o Vanguart se reconhecendo e se localizando como banda em uma estética estrangeira e, às vezes, pouco calorosa para o pop brasileiro.