Deep House em 5 passos: um guia sobre o filho introvertido da House Music

02.ATÉ DAVID GUETTA PERDEU PARA UM GÊNERO QUE SE ESGOTARIA

Os anos 00 começaram com o Deep House atingindo seu período mais introspectivo. Enquanto nos EUA, lendas como Moodymann se envolviam cada vez mais com sua verve jazzy em jam sessions, a Europa, sobretudo Berlim (que então já havia se tornado o maior polo de produção e consumo de música eletrônica e hub de distribuição para o resto do mundo) abraçava o lado mais sintético ao flertar com o incipiente deep techno.

Mas começava também um momento que ia mudar não só a House, mas o jeito de se fazer, ouvir e tocar música, a forma como se frequentava clubs e, eventualmente, até os locais das festas. A ideia era boa: resgatar a vibe perdida nos anos 80 mais influenciada pelo funk e pelos graves gordos analógicos, mas com a qualidade e a versatilidade que as novas e hardwares (sobretudo compressores) proporcionavam. Um dos primeiros hits desse tempo (e talvez o spoiler do que viria ) foi “Summertime”, de Jamie Jones. O estabelecimento de uma cena é um movimento de quase sempre construção lenta e linear, fruto de um contexto. Depende, então, da correlação de um sem número de fatores. Mas, às vezes, a história tem uma esquina, um ponto de intersecção que muda tudo instantaneamente. Essa esquina, foi um remix de Jamie Jones pro Azari & III.

É claro que a música tinha um certo apelo comercial; mas acho que ninguém imaginaria o que ela causaria. “Hungry For The Power” foi uma bomba. Varreu as pistas e rádios do mundo inteiro, fez desaparecer a divisão entre o underground e o mainstream e criou um monstro. Pelos anos seguintes, todos os holofotes estariam com o Deep, todas as festas, todos os festivais, todos os djs, toda a cultura eletrônica, TUDO era Deep. O filho tímido da House Music era agora o porta-voz da família. No mesmo ano, Jamie Jones foi alçado ao posto de “melhor DJ do mundo” (o que basicamente queria dizer “o mais popular”) por um importante portal de música eletrônica underground.

Foi uma febre que atingiu todo mundo e por TODO MUNDO isso inclui também este que vos escreve. Lá por 2010, não houve quem, de frente para um soundsystem potente, sentisse aquele bassline absurdo de faixas como b-side do Tanner Ross e se empolgasse com a possibilidade de que aquela era, talvez, a música do futuro. Era uma época de tantos superlativos que quando Art Department apareceu com sua estrutura minimalista e hits simples como “Much to Much” houve até quem os considerasse o próximo Booka Shade. Até que um produtor relativamente desconhecido de Londres, Miguel Campbell, conseguiu com “Something Special” chegar ao topo entre os singles mais vendidos nas lojas especializadas, batendo inclusive superstars de FM como David Guetta.

Aquilo foi a prova cabal de que Deep House podia ser comercialmente rentável e um sem número de produtores do mundo inteiro começou a fazer faixas que seguiam mais ou menos a mesma estrutura: graves gordos e distorcidos, BPM baixo, vocal romantico, vibe fofinha. Como é muito fácil abrir um selo e disponibilizar uma faixa à venda numa loja digital como Beatport, o mercado foi inundado de semi-desconhecidos disputando um lugar ao sol com figurões que decidiram embarcar na mesma onda. Todos fazendo rigorosamente A MESMA COISA.

O simbolo desse momento pasteurizado era Eric Estornel. Produtor de carreira consolidada no techno sob o pseudonimo de Maetrik, começou a trabalhar como engenheiro de som da Crosstown Rebel em 2007, onde conheceu o que então já se pintava como o deep para as massas. Pela mesma Crosstown, lançou as primeiras faixas sob o pseudonimo de Maceo Plex. Depois de uns dois ou três hits consecutivos (todos na mesma receitinha de bolo supra citada), se tornou uma espécie de grife do gênero que é mais ou menos assim: você é DJ, não sabe muito bem o que tocar e está sem tempo pra pesquisar, toca Maceo Plex, é fácil, é simples, toca no rádio, todo mundo conhece a letra, a galera vai achar legal.
E talvez por essa posição, passou alguns anos muito mais interessado em cumprir uma exigência de mercado que em realmente produzir algo que tivesse ao menos um mínimo de criatividade ou inspiração artistica, se tornou uma fábrica de hits. Se tornou um dos DJs mais populares do mundo e até hoje é headliner de grandes festivais europeus. É curioso que apesar de seus 20 anos de carreira como produtor, Eric aka Maceo aka Maetrik provavelmente vai preferir excluir de sua biografia o momento em que esteve no auge.

Mas Maceo Plex era apenas o mais famoso entre uma geração inteira de produtores, selos e djs que se resumiam à repetição exaustiva de uma estrutura padronizada e cansativa de faixas que habitaram os charts e pistas do mundo inteiro por um longo período. Por ser algo de fácil assimilação, as pistas lotaram de gente pouco interessada na música, atraída pelo hype criado principalmente por promoters e jornalistas e gente que confundia pista de dança com karaokê ou gente que faz cara irônica para os graves e qualquer outro tipo de babaca que música babaca costuma atrair.

Tudo isso sem contar a repetição. Ir a uma festa de House em São Paulo, por exemplo, significava passar 6 ou 7 horas ouvindo o que pareciam ser dezenas de versões da mesma música.

Sem título

Porém, já desde o inverno de 2012, o estilo já vem dando sinais de esgotamento e esse ano a coisa degringolou mesmo. Uma porção de selos fechou em questão de meses, muitos artistas que estavam de carona já pularam do barco. A maioria deles tá por aí produzindo ou tocando todo tipo de porcaria, atirando a esmo e tentando acertar quem será o próximo Maceo Plex.

O público também mudou. Quem estava desde o começo já cansou há anos, quem chegou depois começa a enjoar agora. Quem veio pelo hype provavelmente nem notou. Outros talvez entraram no bote do Steve Aoki ( se pá, literalmente) ou foram atrás da próxima moda no verão de Ibiza. Quem ficou, tá por aí, meio perdido, tentando entender o que acontece agora.

Fato é que nos últimos 10 anos o Deep House se fundiu a outros estilos, inventou novas formas de executar, incorporou novos elementos, se ressignificou em esquinas pouco prováveis do mundo (como os antigos guetos sul-africanos) e, principalmente, evoluiu. De várias maneiras e em inúmeras direções.

Todos aqueles artistas que seguiram experimentando nos porões do mundo, toda cultura underground rica e diversificada, engolida pelos graves gordos de Jamie Jones, emergem agora depois do furacão e começam a ocupar, lentamente o seu espaço (que nunca foi muito grande mesmo). Sem superstars, sem festivais milionários, sem gritos histéricos, sem o frisson e a megalomania de outros tempos. E por isso mesmo é excitante imaginar que as possibilidades são infinitas e reconfortante saber que, não importa o que aconteça agora, sempre vai existir um cantinho na pista para aqueles que preferem uma outra dança…

[TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE: APRENDA]