Entrevista: Beto Villares

Por Eduardo Lemos*

É certo que você já esteve em contato com a obra de Beto Villares, mesmo que não reconheça esse nome à primeira audição. São deles as músicas que dão vida a filmes como Cidade Baixa, Antônia, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e do recente Xingu, e das minisséries Cidade dos Homens e Filhos do Carnaval. Beto também é um dos mais  festejados produtores da música brasileira, tendo como crias alguns álbuns de Pato Fu, CéU, Zélia Duncan, Siba e Rodrigo Campos, dentre outros. E é dele, por fim, a direção musical do espetáculo que celebrou a passagem da bandeira olímpica de Londres para o Rio de Janeiro, nas festas de encerramento das Olímpiadas (agosto) e das Paralimpíadas (no último dia 09).

Reconhecido, dentre outros talentos, por ser um exímio produtor de estúdio, acabou sendo fora deles que o compositor teve a maior das lições musicais de sua vida. Entre 1998 e 2007, ele se juntou ao antropólogo Hermano Vianna para visitar 82 municípios brasileiros em busca de ritmos e expressões sonoras pouco ou nunca reconhecidas.

A saga transformou-se no projeto “Música do Brasil”, uma caixa com quatro CD’s e a produção de quinze episódios para TV, com a participação de Gilberto Gil. Tantas viagens fizeram Beto criar respeito pelo improviso e aprender que, quase  sempre, um bom trabalho de produção é aquele em que não se produz além da conta. “Eu tento evitar isso para que não fique com cara de algo estudado na universidade”, diz ele.

Dentro de uma trajetória tão rica e diversificada, porém, há um pequeno tesouro escondido: sua estreia autoral com o álbum Excelentes Lugares Bonitos, lançado em 2003 pela Ambulante Discos e nos EUA pela Six Degrees Records e Urban Jungle Records em 2008, quando recebeu crítica elogiosa do New York Times (“Este disco deve ser celebrado mesmo com cinco anos de atraso”, diz a resenha do jornal).

Excelentes Lugares Bonitos apresenta 15 faixas que misturam diferentes vertentes musicais brasileiras ao caldeirão de ritmos e texturas originários do cancioneiro africano. Produzindo a si mesmo, Beto demonstra sua peculiar capacidade de apropriar-se da tecnologia na mesma medidaem que faz sua música soar despretensiosa e rústica. Doze canções são composições próprias (as exceções são “Redentor”, “Nação Postal” e “Lume”, cujas letras são de Zélia Duncan, CéU e Siba, respectivamente). Ainda há Fernanda Takai, Zélia Duncan, CéU e Siba contribuindo com suas vozes, além de Antônio Pinto (baixo e violão).

Nesta entrevista, Beto revê o álbum com um olhar apurado que só o tempo proporciona, reforça a importância das palavras para a entrega de sua mensagem e revela que em 2013 – quando comemora-se 10 anos de Excelentes Lugares Bonitos – sairá o sucessor deste que, embora desconhecido, é um dos mais influentes discos brasileiros da última década.

“Excelentes Lugares Bonitos” fala muito sobre cidades brasileiras e revela um clima de descoberta do país. Qual o impacto de suas andanças pelo Brasil no resultado final do álbum?
Beto Villares: Jamais teria feito um disco assim se não tivesse feito o Música do Brasil (projeto de Beto junto ao antropólogo Hermano Vianna, em que ambos rodaram o Brasil e registraram manifestações musicais em 82 municípios). Aquilo foi um choque positivo e inspirador, que me deu muito assunto, um conhecimento de diversos estilos musicais brasileiros e trouxe um gosto pelo som mais tosco. Também me deu muitos exemplos de motivações fortes para fazer música, como se ela fosse parte de uma função, de uma festa. Desde então, o estúdio virou o meu “terreiro”, a minha “festa”.

E como essas descobertas afetaram sua forma de compor e arranjar as canções de “ExcelentesLugares Bonitos”?
Beto: Me afetou muito e continua a afetar pela força da simplicidade, pela beleza de melodias fortes em cima de batidas percussivas, pela busca de sons inusitados. Mas é algo também mais sutil, eu nunca fiz um maracatu, ou um frevo, ou um batuque “puro”. Eu sempre tento fazer algo que vem de mim.

O resultado final do álbum é um brilhante exemplo do uso da tecnologia que se mistura a um certo ar rural, quase amador, das gravações – uma marca sua, aliás, que vemos também nos dois primeiros discos da CéU, por exemplo. Exclusivamente no álbum, como foi o trabalho de equilibrar estes dois lados?
Beto: Eu acho que quando a gente afina e arruma demais os arranjos – em busca de uma limpeza pop – a gente acaba perdendo essa sensação “rural”. Eu tento evitar isso e tento achar o ponto em que algo já está bom, que não precisa mais de correções, justamente para que não fique muito certinho, arrumadinho, com cara de algo estudado na universidade (nada contra o estudo, mas quando se estudo muito, é bom cair na vida um pouco para esquecer as regras!)

Você passou pela experiência de ir para os palcos defender suas canções. No que essa experiência acrescentou ao seu trabalho como produtor?
Beto: Acrescentou a noção de que nem tudo que a gente faz no estúdio a gente pode defender no palco. Estúdio é caverna, é laboratório. Palco é comunhão. E a comunhão deve começar com algo que vem muito forte, quase espiritual, quase um transe (isso seria o ideal!). Eu agora estou compondo e elaborando mais as novas composições pensando no sentido da minha execução ao vivo, do tocar, do cantar. Mais do que do produzir muito.

O disco é recheado de participações femininas (Fernanda Takai, CéU, Anélis Assumpção) e dividir vozes com mulheres, normalmente, implica em achar um tom que equilibre as potências vocais dos dois lados. Como foi esta escolha por cantoras e as particularidades de dividir o vocal com mulheres?

Beto: Nunca pensei nisso! Acho que não tem uma razão específica, foi uma coincidência. Mas, de qualquer maneira, como gosto de cantar numa região mais grave, isso dá um contraponto bonito, completando o espectro das frequências.
As letras abordam temas diversos, desde reflexões sobre o futuro (em Incerteza) até odesao Rio de Janeiro (Redentor, Rio da Bossa Nova). Com a maior parte do tempo atuando como produtor e compositor de trilhas sonoras, como é a sua relação com as palavras e com o exercício de escrever letras?
Beto: Eu não sei nem te explicar como eu fiz um disco de canções, pois sou primariamente ligado ao som. Mas a importância das letras e das palavras, e consequentemente da mensagem, é algo que eu estou me ligando cada vez mais,  embora continue sempre ligado ao som e ao impacto sonoro que algo tem sobre mim e sobre os outros.

“Excelentes Lugares Bonitos” foi lançado em 2003, período em que o formato CD ia perdendo suas últimas forças para o download gratuito na internet. Muito se dizia que ali começava a tomar forma um processo de democratização da música, onde artistas teriam mais ferramentas para trabalhar e o público, mais acesso a estes artistas. Nesses quase 10 anos que nos separam de lá, você acha que a música tornou-se mais democrática?
Beto: Não sei. Estamos no meio da mudança ainda, no meio do redemoinho, mas sem dúvida há uma abundância de artistas, de discos e sites de compartilhamento de música. Existe uma mudança radical também no comportamento do público. A grande maioria das pessoas abaixo dos 30 anos de idade nunca vai comprar música, e não vê nenhuma razão para pagar para ter uma canção. É simples assim, cada um que se vire nesse novo mundo ainda sem modelo. Particularmente acho que, ao contrário do que se poderia esperar e pelo excesso de discos produzidos, está difícil peneirar o que vale a pena e o que não.

Você planeja o sucessor de “Excelentes Lugares Bonitos”?
Beto: Sim! Ele será mais ligado ao tocar. Eu tenho músicas que existem há dois anos e nunca foram gravadas, estão aqui no meu “hard disk” entre as orelhas. Não que não vá haver edições, samples e remixagens, mas a força da música, a conexão dela comigo e com meu interior, espero, serão maiores!

Eduardo Lemos é jornalista e colaborador do Fita Bruta