Expectativa: TRATAK

Expectativa é a nova seção do Fita Bruta dedicada a novos e promissores artistas. Aqui vamos falar das vozes, dos compositores e das bandas que estão surgindo por todo Brasil em entrevistas exclusivas. Para estreia, falamos com um dos maiores achados de 2012, TRATAK, projeto do catarinense Matheus Barsotti.

O TRATAK chegou a mim por fontes bastante confiáveis, o que nem sempre é bom. Primeiro foi a minha namorada, que sempre falava de um amigo de Blumenau que “mexia com música” e que “um dia vai viver disso”. Era Matheus Barsotti, o homem por trás das 11 canções do belo “Agora Eu Sou O Silêncio” (baixe aqui), lançado de maneira independente em novembro de 2012. O segundo a me falar dele foi Fernando Rischbieter – do incrível grupo curitibano stella-viva – que também toca no disco. Ainda que fossem duas referências bastante confiáveis, eu ainda estava desconfiado pelo simples motivo que coisas boas assim não costumam bater na sua inbox do Facebook com tanta frequência.

A surpresa, então, foi bem maior do que eu esperava quando ouvi o primeiro minuto de “Irrealidades Vãs”, faixa que abre “Agora Eu Sou O Silêncio”, e o seu violão entoando sua melodia sombria e intensa. A música, talvez por ser a primeira, define bem a combinação de referências que se ouve ao longo do disco: do samba gótico de Romulo Fróes à tensão entre o ruído melodioso e o silêncio solene de grupos como Mogwai, passando por noções mais óbvias como Radiohead ou Los Hermanos. Ainda que esses nomes sejam grandes demais e geralmente atraiam mais confusão do que clareza para discussão, Matheus soa bem mais confortável e natural do que quase todos os seus pares.

O acerto, suponho, vem do fato de “Agora Eu Sou O Silêncio” vir de um lugar muito íntimo, que funciona como um catalisador e um denominador comum para um sem-número de referências que ele deve ter acumulado ao longo dos anos e que imergem ao longo dos variado repertório do álbum. “Axé fúnebre, a definição do próprio para sua música, parece um boa explicação, a medida que explicita a carga de melancolia presente em cada nota (“fúnebre”) e cita um gênero sem gramática definida, o que da conta dos vários tipos de composições do disco.

Bem antes do TRATAK, a música esteve com Matheus desde a infância. “Sempre rolaram, e rolam até hoje, muitas rodas de samba guiadas por um tio meu que toca violão de sete cordas maravilhosamente, assim desde pequeno varava as noites ao lado da família que se reunia para cantar e tocar”, ele conta numa troca de emails. Aos 13 anos, ele começou a estudar percussão orquestral e aos 15 estava tendo aulas de bateria, o que invariavelmente o levou a algumas várias bandas. “No início do segundo semestre de 2010 decidi sair de todas as bandas que tocava, e gravar um projeto meu. Essa ideia se transformou no que é hoje o TRATAK.”

as canções são obviamente autobiográficas. Floreadamente autobiográficas, mas ainda assim autobiográficas.

Apesar da decisão só ter vindo há 3 anos, as canções desse primeiro trabalho solo são filhas um pouco mais antigas. “Em 2005 quando me mudei para São Paulo me deparei com o problema de não poder mais tocar bateria pois morava num apartamento (…) Eu não sabia tocar acorde algum, então ficava o dia todo sentado no sofá com o violão no colo descobrindo sons e cantando o que me viesse a cabeça”, explica. O tédio e o violão acabaram por inventar o “método” de composição de Matheus visto em músicas como “Cantar Só Para Cantar” (o vocal foi gravado inteiramente no celular), que ele agora consegue explicar em termos psicológicos.

“Ano passado, quando iniciei os meus estudos dentro da psicologia de Carl Jüng, entendi que a minha forma de compor é nada mais que um exercício de livre associação, onde ao cantar qualquer coisa sem ao menos pensar acaba-se fazendo uma leitura de parte do inconsciente. Desta forma então as canções são obviamente autobiográficas. Floreadamente autobiográficas, mas ainda assim autobiográficas”, teoriza.

Esse método acabou funcionando, além de expressão artística, como uma forma de auto-análise para o momento complicado por qual Matheus estava passando durante a composição da maioria das músicas. “Crise dos vinte e poucos sabe? Pé na bunda, par de chifres, família, trabalho, tudo meio que caindo por terra. Tudo mudando… Normal ficar assim meio ‘chateado com Hollywood‘”, enumera. “Compor tornou-se uma espécie de terapia, uma forma de entender meus pudores, mágoas e outras bizarrices guardadas a sete chaves no inconsciente.”

Pé na bunda, par de chifres, família, trabalho, tudo meio que caindo por terra…

As canções feitas como terapia seria transformadas em disco com ajuda de um monte de gente competente, que ajudaram dar ao álbum um acabamento profissional, sem descaraterizar o tom íntimo das canções. Produzido pelo próprio Matheus com ajuda de Heitor Dantas e Fernando Rischbieter, “Agora Eu Sou O Silêncio” foi gravado no Estúdio Totem de Yuri Kalil do Cidadão Instigado, com mixagem de Sérgio Soffiatti e masterização de Gustavo Lenza. Adicionam-se a eles sopros, cordas, piano, alfaias e um texto declamado pela amiga atriz Branca Temer, e o resultado é um som rico, mas que nunca sobrepõe a densa temática idelizada por Matheus.

“O nome do projeto, o nome do disco, a ordem das canções e a escolha de quais seriam estas canções que por fim formariam a obra, foram escolhas baseadas num objetivo um tanto quanto pessoal. O disco, tanto na expressão musical quanto escrita, é uma carta de despedida. E esse assunto é delicado demais pra se tratar assim de forma sucinta”, despista, elucidando, no entanto, a origem do nome do projeto, que retoma um pouco da ideia de “música como terapia” que deu origem às músicas. “TRATAK é proveniente de uma técnica de meditação, o ‘tratakan’, onde deve-se fixar o olhar em um ponto fixo, sem piscar. Os olhos começarão a lacrimejar e quando, após piscar algumas vezes, voltar o foco na visão inicia-se a meditação.
Pra mim o disco foi exatamente isso, um momento onde tudo estava completamente fora de lugar e eu me foquei em uma única tarefa, finalizá-lo.”

Por enquanto, apesar de alguns convites, não há planos muito concretos de levar o TRATAK para os palcos, mas Matheus já tem algumas ideias para um segundo disco “mais simplista”, que ele espera gravar no início de 2014. Seja como for, a medida que “Agora Eu Sou O Silêncio” for sendo descoberto (e redescoberto) é bem possível que “método” opere no caminho inverso, no qual ouvir as canções se torne uma experiência terapeutica para outros no mesmo grau que aquela que deu origem ao TRATAK. Uma ideia que aparece de soslaio quando Matheus se esforça para explicar sua obra. Fica, assim, o retrato, livre para qualquer associação. “Um retrato abstrato, e às vezes nem tão abstrato assim, de um caminho torto, a vida”, resume.