Os 110 melhores pagodes de 1990-2013

O Fita Bruta tem uma obsessão chavosa: uma playlist com 110 pagodes. Indo de Bala Bombom & Chocolate e Raça Negra a Belo, Grupo Bom Gosto e Sorriso Maroto, a lista já está disponível para audição no Rdio. Muita coisa não entrou. Então, no final do post, você encontra uma lista com as canções que, por motivos diversos, não figuram na nossa seleção. Nossa preocupação principal foi catalogar todas as transformações que o pagode sofreu em quase três decadas. Hoje, já se faz pagode com safona (!).

Não é tarefa fácil conjugar os verbos do pagode para quem nasceu depois dos anos 80. Zeca Pagodinho, apesar do nome, é samba para muitos novatos da roda. O mesmo para Almir Guineto e até para o Fundo de Quintal. O motivo? A explosão quase em sequência de um modo mais chamegado de cantar amor. Saíam de cena a macumba, a algazarra, as discussões e passinhos pro lado começavam a entoar reconciliações, choros masculinos, machismo disfarçadíssimo e juras de amor. É claro, “Pereca vai / perereca vem / segura a perereca / não dá ela pra ninguém”, do Grupo Deita Rola, e outros exemplos continuavam o bom humor anterior (Só Preto Sem Preconceito, Wander Pires). Mas o ritmo já caminhava sedento para os braços do amor (talvez o Grupo Raça seja o melhor exemplo dessa mescla — confira o hit “Eu e Ela”). E tal fato acabou, sem querer, excluindo Zeca e Almir, por exemplo, do imaginário do Pagode que virou sinônimo não mais de descontração e quase improviso, mas sim de cuecas e calcinhas doidas para se molharem. Mesmo assim, ambos estão na playlist e foram influenciadores de muita gente que viria a tocar o passinho pro lado. Bom, mas voltando…

A playlist contempla sucessos e lados-b de um dos principais gêneros da música radiofônica brasileira. Prometemos que a lista vai bem além da nostalgia. Em primeiro lugar, temos “Temporal”, do Art Popular — uma das músicas mais fantásticas da verdadeira MPB. Além disso, os 110 tentos musicais deixam bem claro como o gênero, considerado repetitivo por muita gente, foi conseguindo se manter em pé nas paradas de sucesso com o passar de três décadas. Depois de dois auges (no início e fim da década de 90), o Pagode sofreu com investidas do Axé, do Funk Carioca e, mais atualmente, do Sertanejo Universitário. Ouça e leia mais sobre o gênero aqui embaixo.  Aproveite!

 

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Três décadas, três baques

A cada baque, o gênero ia se transformando. O romantismo do início dos anos 90 logo deu vez a músicas que dialogavam com o partido alto e que fez explodir as sacadas e o humor de grupos como o carioca Molejo e temáticas sociais em meio à black music dos paulistanos do Negritude Jr.. No final desta década, o pagode de São Paulo dominaria ainda mais o gênero com a explosão de grupos como Soweto, Os Travessos e a consolidação das carreiras de outros conjuntos como Exaltasamba e Art Popular.

Isso sem contar um sem número de grupos que emplacaram um ou outro sucesso muito chicleta nas paradas. Quem aqui nunca mandou no scrapbook do colega aniversariante o hino “Feliz Aniversário” do desconhecido Ronaldo & Os Barcelos? E outra: se não levou as mãozinhas pro ar para tentar pegar as estrelas lá do céu da letra de “Pela Vida Inteira”, do Kiloucura, você não teve uma noção muito boa do que é MPB. Brincadeiras a parte, não à toa uma das maiores bandas do rock brasileiro estampava-se na capa de um álbum como um grupo de pagode. Cordões, camisa e calça social, cabelo tingido. Eram os Raimundos brincando com tudo o que virou clichê tamanha a popularidade do gênero. Aliás, você usou uma viseira da Fubu inspirado no modelito Rodriguinho?

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Eram tempos bons: havia adesivos e camisetas com a idiotice adolescente “YES ROCK! NO PAGODE!” (lema que virou, ao revés, uma famosa festa chamada a “No Rock Yes Pagode”, no Rio de Janeiro), havia muitos moleques com cabelos oxigenados, todo mundo cantava em falsete beloniano e se os EUA nos entupiam com Backstreetboys, N’Sync, Five e outras besteiras, o pop brasileiro contra-atacava com grupos que obedeciam bem as fórmulas de boyband: o galã cantava, o do pandeiro era o lelek, o do tantã fazia o papel de pai de família e por aí vai.

Com a ascensão do Axé e do Pagode Baiano, as rádios viram o poder de fogo do Pagode diminuir. Não demorou para que as duas principais rádios populares do Rio de Janeiro (FM O Dia e, a então concorrente, Rádio Mania FM) começassem a dar vez para músicas de artistas como Sandy & Junior, Kelly Key e, em alguns casos, Zezé di Camargo & Luciano na tentativa de se livrar da dependência do então decadente gênero.  Quase simultaneamente, o Pagode via também o ressurgimento do Funk Carioca no mainstream, tirando ainda mais o pouco espaço do gênero. No entanto, este segundo baque teve uma consequência positiva: o gênero foi obrigado a se renovar e tentativas como a de se chegar em um denominador comum com Samba-rock e Forró (principalmente as de Leandro Lehart no Art Popular e do Grupo Molejo) dariam origem a uma das vertentes muito populares depois da explosão do Sertanejo Universitário. Sorriso Maroto que o diga.

O Art Popular merece um capítulo a parte. Mas não vamos nos estender. O importante é que você perceba que “Pimpolho“, por exemplo, um dos maiores hits do grupo, não é nada de pagode e, sim, um quase-Carimbó. É bem semelhante, por exemplo, ao hit do grupo Carrapicho, “Tic Tic Tac“. Ninguém sacava muito bem isso na época. Só Leandro Lehart — e que só veio a ganhar status de cult quando tudo o que fazia já não era mais vendável, tampouco inovador. Na época pós-Amarelinha, ninguém entendia muito bem as misturas do Art Popular. Mas “Fricote“, com a participação de João Paulo & Daniel, taí pra provar que alguém pensava mais à frente do que desconfiava nossa vã filosofia. Mas voltemos para meados dos anos 2000.

Liderado pelo sucesso de vendas do álbum “Ao Vivo No Olimpo”, do grupo carioca Revelação, o gênero reiniciou suas tentativas. O lado mais romântico vinha sendo desarticulado com uma sequência de divergências comerciais entre vocalistas e grupos. Leandro Lehart não mais fazia parte do Art Popular bem como Belo, Rodriguinho, Chrigor, Waguinho, Alexandre Pires e Netinho de Paula não mais integravam Soweto, Os Travessos, Exaltasamba, Os Morenos, Só Pra Contrariar e Negritude Jr, respectivamente. Desses, apenas Belo conseguiria destaque com sua carreira solo — inclusive por motivos além da música, já que fora alvo de investigação da polícia carioca e acabou flagrado em uma ligação com um traficante do Rio de Janeiro na qual negociava uma arma. No entanto, emplacou diversos sucessos e estabeleceu-se como um dos ícones pop do gênero.

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Como você pode ouvir na playlist, muitas canções do gênero se apegaram ao ecletismo como arma para romper um mercado dominado principalmente pelo Sertanejo Universitário. Não demorou para que, na onda do revival dos anos 90, os grupos mais ecléticos desta época ressurgissem com força. Primeiro foi o Molejo, sob o rótulo de “Pagode Universitário”; depois o Raça Negra (e você sabe muito bem o porquê) e, mais recentemente, o Só Pra Contrariar. Isso sem contar o, talvez, grande grupo dessa retomada: o Exaltasamba. Depois de perder Chrigor para o Evangelho, o Exalta cambaleou e parecia desesperada a ação de recrutar o então eliminado de um reality musical. Demorou pra engrenar, mas acabou indo. Thiaguinho deu tom boyband ao grupo e voz espetacular de Péricles ganhava a companhia de um vocalista carismático e, para as meninas, sensual. Não bastasse, o novato se tornou responsável por grandes hits desta recente fase do pagode — ressucitando até seu parceiro Rodriguinho cuja a carreira não deslanchou até hoje.

Pagode Híbrido

Assim, o Pagode hoje se divide basicamente em três subgêneros:

  •  o “quase-samba”, preferência unânime entre jogadores de futebol e que, apesar de compartilhar da temática romântica, investe em um ritmo mais acelerado e em letras com nuances mais sexuais e a favor da solteirice e da farra e tem como principais representantes o senior grupo Revelação e os novatos do Bom Gosto.
  • o propriamente romântico, liderado por Belo e por grupos como Imaginasamba e Mumuzinho;
  • e o mais recente, uma espécie de pagode híbrido, que se apropria de ritmos como o forró, o reggae, o sertanejo e até baião — o teclado sai de cena e entra, principalmente, a sanfona (!). Sim, a safona. Você pode comprovar ouvindo a última faixa de nossa playlist. Jeito Moleque e Sorriso Maroto estão entre os que tentam tais apropriações.

Faixas-bônus

Infelizmente, muitas músicas não puderam ser incluídas. Deezer e Spotify ainda não possuem direitos do catálogo de muitos grupos não tão brilhantes, mas que emplacaram hits durante estas três décadas. Mesmo assim, pode acreditar, temos uma lista bem equilibrada. Se mesmo assim bater uma sensação de “falta algo”, segura as nossas 10 prediletas que não puderam ser incluídas na playlist: as faixas bônus que tocaram na mesma proporção em que nunca mais ouvimos os nomes desses grupos.

01. Alô Som – “Supera”*

*Esta canção está na playlist na voz do cantor Belo. No entanto, esta versão é infinitamente superior na voz de seu compositor, o Riquinho (morto em decorrência de um acidente de automóvel). Todos os sucessos do grupo Alô Som foram também sucesso no repertório do grupo Bokaloka. Você pode ouví-los nesta forma na playlist.

02. Wander Pires – “Celular”

03. Só no Sapatinho – “Só No Sapatinho”

04. Ronaldo & Os Barcelos – “Feliz Aniversário”

05. Pique Novo – “Lugares”

06. Art Popular – “Amarelinha”

07. Cravo & Canela – “Lá Vem O Negão”

08 Katinguelê – “Inaraí”

09. Jorge Aragão – “Eu e Você Sempre”

10. Kiloucura – “Pela Vida Inteira”