Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz @ Circo Voador (14/01/2012)

Coincidências acertadas pelo talento unem as carreiras de Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz. Emergentes da boa safra paulista, os dois se destacaram em 2010 com álbuns indicados como os melhores do ano. Supriram uma necessidade que carecia de atenção: a da canção. Lírica e melodia juntas em belas músicas. Em especial, no desabafo de “Às Vezes” da Tulipa ; e na contagiante “Felicidade” de Jeneci. No ano passado ganharam público sem perder a simpatia dos críticos, uma grande vitória na saga de fazer parte da música popular.

A apresentação dos dois no Circo Voador remete, como foi contado por cada um em seu show, ao início da carreira deles. Antes de lançar seus álbuns, fizeram dois shows conjuntos para pequeno público em São Paulo. O Circo quase lotado inspirou o mesmo prazer com a sintonia do casal.

Jeneci abriu a noite com “Copo D’Água”, assim como fez em seus shows em 2011. Enérgico e interativo no palco, ele agora tem um público que o acompanha na voz e na frase tocada na sanfona. A resposta imediata das pessoas cria um Jeneci ainda mais ativo; sem medo, ele toca a música para o espetáculo, sem guiar-se por normas burocráticas de execução.

Antes de tocar “Felicidade”, ele, irônico, anuncia uma música inédita. Cria uma expectativa e a quebra em segundos sem gerar frustração — essa graça é o primeiro acorde da canção favorita dos fãs. Os ouvidos atentos logo sacam a brincadeira e começam a cantar junto. Por ser a música de maior disseminação em rádios, o coro da platéia vem forte. Da devoção de pessoas tão diversas debaixo da lona do Circo, tira-se perfeitamente que no palco não está um artista restritivo. É música popular.

O hit funciona como o catalisador e define o rumo da noite. Porém, a receptividade calorosa aconteceu em todo show. Do devaneio romântico “Dar-te-ei” ao cover de Roberto Carlos, “Do Outro Lado da Cidade”; com trilhas mais animadas como a de “Pense Duas Vezes” e na introspecção de “Longe”, momento em que Laura Lavieri canta sozinha.

Boas surpresas aconteceram no show. A previsível participação de Tulipa veio de um jeito inusitado. Ao fim de uma música, Jeneci pega a guitarra e sozinho começa a cantar “Às Vezes” (vídeo), após segundos solo a banda o acompanha numa progressão em que a música ganha força. Até a entrada Tulipa, arrebatadora. O inesperado com o poder da pérola do repertório de Tulipa criou um frenesi divertidíssimo e foi o ponto alto da noite. Sugeriu que a vez da cantora superaria o inabalável Jeneci, que ainda tocou mais até fechar com “Show de Estrelas”.

Anunciada como o show principal da noite, Tulipa Ruiz entrou no palco pouco depois das duas horas da manhã. O público ainda se concentrava debaixo da lona do Circo ansioso pela apresentação. Presente desde a primeira apresentação da cantora no Rio, um grupo fiéis fica colado no palco durante todo tempo, sem parar de cantar. Feito surpreendente para uma cantora tão jovem e de apenas um disco. Uma mobilização recente assim faz se acreditar que o limite dela está bem longe de ser atingido, e que grande proporção popular ela pode garantir.

Animada, cantou e interpretou as canções de seu disco. Enfática nos refrões, ela se empolgava junto dos seus fãs e dava um ar especial às músicas. Com uma voz de força incrível, ela não parecia ter dificuldade alguma de fazer graça e seguir com o show no palco. Em alguns momentos isso ficou fora de proporção, chamar o pessoal para cantar junto é legal, mas deixar o microfone na platéia não.

No setlist, um bom cover “Da Maior Importância”, de Caetano Veloso imortalizado em versão de Gal Costa, referência obrigatória para as intérpretes brasileiras. O diferencial de Tulipa se mostra releva ainda mais aqui, mesmo numa canção consagrada ela consegue inserir sua personalidade. Reiterando o suingue com o tom de sua voz, e fazendo mágica na repetição final de “mas você/ não teve pique/ e agora/ não sou eu quem vai/ lhe dizer que fique”.

Outro destaque para “Dia a dia, Lado a lado”, parceria com Jeneci, um dos mais belos atos da dupla, já passou da hora de ganhar uma versão oficial. Lamenta-se que boa parte do público tenha ido embora no decorrer do show, não por incômodo com o som, mas o horário extremamente tardio complicou. Tanto é que músicas ótimas deixadas para o final, “A Ordem das Árvores” e “Efêmera”, perderam gás.

Indiferentes a tudo que não fosse a figura de Tulipa, a pequena legião se despediu com gritos de “gostosa” deixando a ídola toda boba. Memorável madrugada no Circo Voador, que iniciou na ocasião a comemoração pelos trinta anos de idade.