Metá Metá ao vivo na Serralheria e no CCSP

Pode ser um erro falar novamente de Metá Metá. “Isso que dá… mexer com macumba”, dizia Kiko Dinucci. A corda pulou da guitarra e gerou a piada que muitos já ouviram em algum show do grupo. Claro que pode ser um erro. Vejamos: enquanto reparava a corda rebelde e aproveitando uma provocação vinda da platéia, Kiko Dinucci já estava na segunda piada. Elas, aliás, funcionam quase sempre porque não há, para o recém chegado ao iorubá paulista, demonstração clara dos três metás de seus envolvimentos com a fé que cantam: gera um encantamento. Mas quem são esses recém-chegados que fazem a limpa no merchandising da banda após cada show? Melhor: quantos são? Por que se multiplicam a cada show de Dinucci, Juçara Marçal, Thiago França + Marcelo Cabral e Sergio Marchado? E, mesmo assim, por que poucos ainda conhecem, fora de São Paulo, esse que é o melhor show da música brasileira atualmente? Se ainda restam essas dúvidas, se as piadas estão longe de ser algo mais memorável que o show, não é, pois, um erro voltar a eles.

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Terça-feira. Kiko era piada por vestir calça jeans e camisa social branca abotoada alta; França portava mais uma peça estampada de seu vestuário Hawaii-Somália e Juçara arrancava alguns suspiros na platéia por conta de seu cabelo rasteiro rasgado em tranças, seu vestido branco e polainas vermelho-forte de braço que não atingiam as mãos.Thiago respirava fundo, não era de alívio por descansar do sax; Juçara Marçal esfregava mão na outra, ria uma careta nervosa. Enfim, era um Metá Metá ansioso, talvez desconfortável naquela terça-feira. Ria trincado, aluno bom em dia de prova. O palco da Serralheria aguardava uma comoção intranquila, o jogo não estava ganho como vem sendo todas as apresentações do Metá Metá em São Paulo. Havia um ciclo para se fechar.

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Ao fim do show de terça, com Tonny Allen. Foto: @jugranjeia

Avançando quatro dias, já era possível encontrá-los brigando com o som do Centro Cultural São Paulo, escolhendo a próxima música bem na hora de tocar a próxima música, embasbacados com a plateia de vestidos leves, celulares e tentativas de aderir ao culto frenético que o som do meio do CCSP evocava no corpo de cada um ali. Antes de entrarem no palco-arena, viram que uns mais espertos já tinham escolhido os melhores lugares — não para se sentarem, mas para ficarem em pé. Ritual de catarse em noite gratuita de sábado. Poucas coisas além do ingresso são gratuitas nos show do Metá Metá.

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No camarim da Serralheria. Foto: @thiagosax

“Veio vestido de crente!”, zombava um rapaz ao meu lado. Volto à terça. É necessário.  Tony Allen vinha ao palco e era uma terça com duas baterias (na outra, Sergio Machado). Mais do que isso (e até mais do que a chancela afrobeat concedida por Allen) é ver o tal ciclo se completando. Começa com Kiko Dinucci exigindo-se um compositor paulistano e, de certa forma, cobrando isso de seus pares. Cresce com o primeiro disco do Metá Metá e do Passo Torto, ambos também de 2011. Espirra, claro, em “Bahia Fantástica”, de Rodrigo Campos. Mas, principalmente, esses fatos são unidos por Marcelo Cabral (baixista no Metá Metá, no Passo Torto, no MarginalS) que encontraria, dois anos antes disso aqui tudo, um elo . Em estúdio com Criolo e (consequentemente com Thiago França, Juçara Marçal e o próprio Dinucci) para compôr o álbum de 2011, “Nó na Orelha”, os quatro enraizaram-se por tudo o que veio a partir dali na música brasileira. No front, a obra do rapper levou tudo isso a um estandarte e também à Europa. Trombar Tony Allen numa dessas viagens (como aconteceu em Paris) surge muito mais como possibilidade do que como casualidade.

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No palco-arena do CCSP. Foto: @brunaszt

No palco, Allen tratava Thiago França como brother e não era à toa. O nigeriano viu o músico “arruinar”o objetivo de uma base de uma bateria sua virar música para um projeto de afrobeat mais comercial, pras pistas. Ventura descaracterizadora que se desdobrou em mais três (!!) bases enviadas a França e que pode virar um trabalho dos dois. Além disso, houve a inedita “Alokorô” com o Metá Metá (tocada no show da terça-feira), outra produzida com Tejo (Instituto) e mais outra produzida com Marcelo Cabral e Daniel Bozzio. Se voltarmos ao palco, veremos o som abafado da Serralheria ser complementado pela plateia que percebia ver um encontro especial, pedia silêncio para que Tony Allen pudesse ser ouvido, dançava (a.k.a. despirocava) apertado no ambiente tomado.

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O trio original no CCSP. Foto: @yuridecastro

Não era diferente, claro, no CCSP. Era, inclusive, o melhor show do grupo que tive a oportunidade de ver. Ao vivo, o (agora vinil) segundo álbum “MetaL MetaL” é, em alguns momentos, ainda mais surpreendente. “Tristeza Não”, música de Itamar Assumpção, por exemplo, agora conta com Kiko, Cabral e Machado em um rock uníssono a partir da segunda estrofe da canção (no álbum, a versão é com o trio padrão). Lúdicos, meninos e meninas arrumaram-se em um abraço que girava o palco enquanto “Cobra Rasteira” passava. Lúdicas, um bocado de par de pernas se amostravam um pouco mais com o frenesi dos vestidos nem tão leves por causa do suor da dança de meninas que serpentavam pelos cantos do palco. “Vias de Fato” reapareceu no repertório, Kiko Dinucci estava longe do visual motivo de piada na terça-feira, Juçara saboreava a platéia cantando o refrão de “São Jorge” e o iorubá de “Man Feriman”, os mais espertos cantavam forte a letra de “Atotô” outra que se expande em rock para além da versão original gravada em “Padê”, álbum de Dinucci com Juçara de 2007.

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Kiko Dinucci e Allen. Foto: @yuridecastro

Tony Allen não compartilha das mesmas opções religiosas do grupo. De família católica, viu a maioria dos cultos nativos de sua terra natal extinguir-se, também clubes por onde tocou convertendo-se em igrejas evangélicas. Talvez, esmagadora maioria dos públicos presentes na Serralheria e no CCSP também não guarde as mesmas semelhanças de fé que carregam a força de todas as canções do Metá Metá. Mas, contraditoriamente, a aproximação é totalmente ritualística. Tony Allen abria sorrisos nos solos, nas atuações; pombagiras se apareciam inocentes nos corpos de muitos que arranjavam uma forma de se misturar com o corpo à massa de som do grupo. Mas eram muitos mesmo: os sorrisos de Allen e os que se valiam do descarrego, principalmente depois de “Obá Iná”, música que marca o final dos trabalhos. Se mística aqui se faz presente desde os trabalhos que se iniciam com “Exu”, que recaiam sobre os intocados, os imunes e distantes que ainda, fora de São Paulo e parcas outras capitais, não tiveram como encontrar a melhor macumba já despachada nessas encruzilhadas.

“Logun”, ao vivo no Centro Cultural São Paulo (repare no menino de verde atrás do baterista Sergio Machado)