Mombojó @ Sesc Pompéia 19/10/2012

5 perguntas para Felipe S.:
Fita Bruta: Sesc Pompéia quase lotado numa sexta feira, dia de final de Avenida Brasil. O show foi um barato. Por quê regravar o próprio repertório em”11° Aniversário”?
Felipe S.: É um pagamento muito mais prazeroso que dinheiro. A gente resolveu fazer isso agora por ter completado mais de uma década de banda. Aí, como a gente gravou as primeiras músicas ainda muito jovens, ficava a sensação de “aquela ficaria massa se fosse assim, esta ficaria boa se tivesse tal coisa”… Então fizemos uma parceira com a Trama que nos cedeu o estúdio e ficamos gravando, ao vivão.
FB: Mas não havia espaço para mais músicas inéditas como “Procure Saber”?
Felipe: A gente queria ter mais tempo para trabalhar nelas. Tem muita música que tá no começo ainda. Temos um processo meio lento [de composição], então resolvemos lançar algo mais nosso do que para os fãs, talvez. O disco tem 10 faixas: “Justamente” (com a Nação), “Procure Saber” (a inédita) e mais oito regravações: “Realismo Convincente” (com Cannibal), “Vazio e Momento”, “Baú” (com Vítor Araújo), “Amigo do Tempo”, “Faaca”, “Deixe-se Acreditar”, “Estático” (com China e Ximarú) e “Saborosa”.
FB: São três CDs e três bandas diferentes até agora. Como é passar por mais um processo de reencontro em palco?
Felipe: Pelo fato da morte do Rafa e depois da saída do Campello, começamos a repaginar as músicas pensando em nós cinco mesmo. Somos mais amigos que sócios e, por isso, não queríamos pôr mais ninguém na banda. Então é um processo de atualizar para esta formação em que estamos hoje.
FB: Depois de “Amigo do Tempo”, a banda deu uma sumida. Festivais como Planeta Terra e Lollapalooza não contam com o Mombojó no line-up. Como é que foi isso?
Felipe: Rapaz, não sei te explicar não. Eu acho que temos que estar com um trabalho novo e que ele desperte a atenção dos curadores. Acho normal. Para muita gente pode até ser que a impressão seja a de estarmos parados. Mas nos últimos tempos a gente conseguiu um alcance maior, tocar em lugar que não íamos. Fomos tocar em Manaus, Cariri… E isso demora pra acontecer. Só 10 anos depois estamos conseguindo. Aqui em São Paulo estar em destaque é uma soma de fatores. E nem sempre não estar em destaque é uma forma de não-sucesso, sabe? Acho que a gente continua conseguindo viver de música. Acho não. A gente continua. Pago minhas contas. Minha prioridade é o Mombojó e o Del Rey. Mas, depois de 10 anos, expandimos.
FB:  Desde o “MTV Sintonizando Recife”, tanto “Amigo do Tempo” quanto “Papapa” já tinham uma estética mais dance. Hoje, ainda mais, Dá pra perceber as intervenções e os snares do Chiquinho. Era a intenção mesmo soar de forma mais dançante? E como é passar por esse processo de revitalização?
Felipe: Isso é influência de Chiquinho. Ele curte muito e surge naturalmente. Chiquinho e Marcelo eles curtem muito. E tudo isso vem dando certo. Além de ser uma sobrevida, a gente cria uma bola de neve positiva que vai aumentando e também a curiosidade das pessoas. E a gente já vai começar a trabalhar em coisas ineditas. Vai ser bem corrido para podermos lançar ano que vem algum álbum de ineditas.

“Rapaz, eu não sei te explicar isso não”, era uma frase de Felipe S. quase não concordando quando lhe perguntei sobre um suposto descanso do barulho que cercava sua banda. Quando o Mombojó surgiu, talvez você não se lembre, mas era a grande revelação do país por reunir uma dezena de músicas cada qual em uma profusão de estilos (hardcore, samba e, claro, tudo o mais que o  manguebeat permitiu). Era em nadadenovo. Era 2004. Felipe tinha 17 anos. A bateria sensacional que abre o disco é obra de Vicente Machado, então com 14 anos.

Até 2012, foram mais dois álbuns incríveis (inclusive o segundo, Homem-espuma) que, à distância da época de seus lançamentos, parecem ainda mais raros. Por algum motivo, a independência brasileira não permitiu ao Mombojó mais do que ganhar destaque nas listas de fim de ano com Amigo do Tempo, último álbum da banda. É única banda que fez jus discograficamente à emersão de bandas que surge em meados desta primeira déada. Um cenário com uma sucessão de erros que foram tratados como acertos (Móveis, Cachorro Grande, O Teatro Mágico). A sucessão de acertos mais escancarada que tínhamos era o Mombojó, mas o folclore não se sustentou muito bem para além de quem acompanha o cenário independente.

Os sete pernambucanos passaram a ser cinco em cima do palco com a saída de Marcelo Campello e a morte de O Rafa. Saiam a flauta, o cavaquinho e violão de sete cordas. Em todo este tempo, o Mombojó se dividiu em reinvenções ora forçadas, ora estipuladas. A todo tempo, o que era pra ser lesão foi se tornando adaptação. E é assim aqui, enquanto os cinco pernambucanos são encarados por um Sesc Pompéia quase lotado para ver uma banda que poderia tocar as mesmas músicas que todos ali conheciam, ganhar o trocado da casa, beber uma cerveja e ir embora curtindo um status que  todos sabem no Brasil ser vulnerável. Mas, felizmente, não pensam assim Chiquinho, Felipe, Marcelo, Samuel (substituído neste show por Zé Guilherme), Vicente. O show (com apenas Procure Saber de inedita) era a premieré de “Décimo Primeiro Aniversário”, disco a ser lançado em 2013 para que, praticamente, a banda não enferruje antes das possibilidades que antecederiam o quarto álbum de inéditas.

E, ao vivo, fica muito claro que o Mombojó é a nossa única banda de trip-hop. Sob responsabilidade do (originalmente) tecladista Chiquinho, os gatilhos dos novos arranjos são beats old-schools combinados com a introdução de novos riffs disparados não só pela aparelhagem do tecladista, mas também pela guitarra de Marcelo Machado e pela intuição de Vicente. Agora com 22 anos, Vicente parece ter ido além do instrumento e, ao invés de se intrometer nos arranjos, é a grande pulsão de todos eles. A comoção do hardcore de “Faaca” (hit do primeiro álbum) e do funk-soul de “Saborosa” são de Vicente. Esta última, aliás, talvez a grande música do show por causa do pós refrão quase night club que ganhou. E é incrível pois “Casa Caiada”, de 2011, talvez seja a grande música do Mombojó e, nesse cenário, parecia mais uma música e não ais um trunfo de uma banda cheia de readaptações. E, para o que se propõe o Mombojó nesta noite e também em “Décimo Primeiro Aniversário”, isto é ótimo.

“É muito de Chiquinho também. Ele pesquisa muita coisa, essas batidas… Ele gosta”, diz Felipe a mim depois do show sobre quem parece ter a direção das músicas como um maestro indie. O seu teclado no andamento (agora) quebrado de Realismo Convincente introduz o trip-hop e o sample de “Intergalactic” dos Beastie Boys antes da destruição promovida pelas bateria e guitarra Vicente e Marcelo. É assim também em “Amigo do Tempo” em arranjo bastante superior ao recente e original principalmente porque revela o potencial da banda em ser radiofônica, popular, assimilável em um terreno de letras pouco óbvias. “Você vai ter que morrer pra eu parar de sorrir”, inicia-se a letra de Singular de tom lírico inusitado vindo de 2004 quando todas as letras tentavam simular o que um afortunado álbum de uma banda carioca faria um ano antes. Em 2011, “um certo autismo me salva”, “no ar condicionado do shopping

Por algum tipo de ventura (e justiça), tínhamos China e Ximarú no palco para resgatar o arranjo original de “Estático”, também de nadadenovo. China era um dos principais parceiros nas composições da banda e, infelizmente, não pode ser muito ouvido devida a urgência do peso que veio com a música. Isto, felizmente, não aconteceu em “Baú”, também do primeiro CD e que ganhou do conterrâneo Vítor Araujo uma versão de dedos frenéticos e com mais de sete minutos. Vítor é um dos convidados de “Décimo Primeiro Aniversário” que já tem vinil pronto a ser lançado ainda este ano. O disco traz também as participações de Cannibal e da Nação Zumbi.

Por algum tipo de aventura (e justiça), o bis guardava marotamente “A Missa” (um dos melhores momentos de Felipe à frente da banda depois de “Passarinho Colorido”) e “Deixe-se Acreditar“. Todas com suas deixas para possíveis catarses imediatamente acolhidas pela plateia. Ainda que deixe o show com entusiamo, é evidente que cada um dos presentes no Sesc Pompéia levava consigo uma espécie de abatimento por não saber muito bem como louvar esta banda – que todo mundo na internet conhece, mas que ninguém vê mais por aí. “Passamos a ter um alcance maior, indo a lugares como Manaus, Cariri. E demora pra acontecer. A gente levou 10 anos. Nem sempre não estar em destaque é um não sucesso. Eu continuo vivendo de música”, diz um convicto Felipe. Mas, ainda que volte sempre diferente, pipocar no cenário indie, ganhar dinheiro com o Del Rey (banda-baile cover de Roberto Carlos) não parece o lugar merecido ao Mombojó — reafirmando, uma das poucas bandas de discografia impecável que a música brasileira realmente revelou na terceira geração do pop brasileiro.

Ao que parece, a sensação de ter a banda mais uma vez vem sendo saborosa pros integrantes do Mombojó.

Ouça a entrevista (na íntegra) com Felipe S. que rolou no programa Sonar

À esq., Vítor Araújo ao teclado em “Baú”; à dir., Marcelo Machado, um dos destaques do Mombojó ao vivo

Setlist:

1. Procure Saber

2. Casa Caiada

3. Duas Cores

4. Entre a União e a Saudade

5. Cabidela

6. Faaca

7. Realismo

8. Baú (participação de Vítor Araújo)

9. Amigo do Tempo

10. Singular

11. Saborosa

12. Vazio e Momento

13. Antimonotonia

14. Passarinho

15. Estático (participação de China e Ximarú)

16. Papapa

BIS

17. A Missa

18. Deixe-se Acreditar