Numa entrevista, gravada no backstage de um dos primeiros shows da volta do Afghan Whigs, ainda em 2011, Greg Dulli tentava explicar, sem grande esforço teórico, os motivos do retorno após 13 anos entre Twilight Singers, encontros com Mark Lanegan e discos solos. No meio de piadas com a volta do Stone Roses e memórias da banda da escola, o vocalista dava a entender que não havia nenhum motivo especial para voltar naquele momento. O entrevistador diz que muitos músicos fazem isso por dinheiro e que isso não parecia ser o caso de Dulli, que continuou fazendo pouco caso da questão mas então usou uma frase que resume a existência de “Do To The Beast”, uma década e meia depois do grandioso “1965”: “Eu voltei porque o Afghan Whigs era meu e porque eu quis”.

É um argumento justo, mas não estamos mais em 1994. Por lá, Dulli destoava do restante do chamado “alternative rock” como uma espécie de alienígena tarado e alcoólatra certo de que havia lugar para soul, R&B e funk no clima pesado da era grunge. Por aqui, Dulli é mais um louco no meio desse bando de loucos. Ninguém quer marcar território e, consequentemente, não existem mais territórios. Vinte anos depois, o Afghan Whigs não é mais filho único e angariar novos fãs em tempos de mash-up não é uma missão muito fácil. Qual a saída que o compositor encontrou? Fazer mais um disco do Twilight Singers.

De fato, o que há de Afghan Whigs nesse novo álbum fica restrito a um adesivo colado na capa. Rick McCollum, guitarrista que também fundou a banda e ajudou a moldar sua identidade, é uma ausência perceptível. Somente o baixista é egresso da formação original, o que reforça a ligação com a vibe “Dulli & Convidados” que o Twilight Singers possui. Em alguns pontos, como na guitarra robotizada, quase nu-metal, que introduz “Matamoros” (tocada por Clay Tarver, do Chavez), a falta que McCollum faz a essa nova formação fica evidente. Por outro lado, existem ocasiões em que a participação especial adiciona novas dinâmicas, como no segundo single, “The Lottery”, adornada com competência pelo guitarrista Mack McGuire.

O que há de melhor em “Do To The Beast”, contudo, é resultado do carisma e talento de Dulli. A voz incansável, apesar de uma correção eletrônica tímida em “Algiers”, continua a mesma. E a paixão com que defende sua música, carregando até as composições menos complexas por crescendos cheios de densidade, eventualmente redime as perceptíveis fragilidades deste novo álbum. Mais notadamente, no quase-plágio de “Street Spirit” em “These Sticks” e na delicadeza de “Lost In The Woods”. Nesta última, é bem provável que o refrão provoque arrepios em quem viveu a década de 90 acompanhando a evolução impecável da discografia do Afghan Whigs.

É bem provável, também, que “Do The Beast” não vá superar as grandes expectativas de quem esperava um novo disco dos Whigs por mais de 15 anos. E, mesmo pensando numa audiência que ainda não teve contato com a banda, não há razão prática para interesse num disco motivado pelo capricho e vontade de um ícone do pop de duas décadas atrás. Mas enquanto os caprichos de Dulli foram defendidos nesse nível de passionalidade, dá para deixar a praticidade de lado por uns 40 minutos.