Anitta é gostosa e não estou contando a covardia que são peitos e bunda da cantora. Está nas letras: Anitta se faz de e é gostosa. Antes disso, Anitta era Larissa, se formou em administração de empresas e, inspirada pela personagem de Mel Lisboa, usou o nome artístico enquanto, gastando dinheiro, tentava emplacar algumas tentativas mea-bocas de funk nas rádios cariocas. Gastou dinheiro e tempo. Implorou à gravadora e ao pequeno staff para que “Show Das Poderosas” fosse trabalhada de alguma forma. Os ditos entendidos torceram o nariz. Incrédulos, cederam um pouco ao desejo da menina. A rádio mais popular do Rio de Janeiro tocou. “Show das Poderosas” e Anitta viraram realidade.

Que realidade é essa? Anitta sabe a diferença entre Bonde do Rolê e Banda Uó. Ouve new-metal cristão e Paramore. Conheceu Belle & Sebastian depois de ler uma entrevista na qual Mallu Magalhães os citava como influência. É fã incondicional de Mariah Carey (o álbum “Glitter”, muito gasto, nem consegue ser lido no tocador; o que levou uma fã a presenteá-la com uma versão menos esculachada do álbum). Conhece Natiruts da época que em que a banda de Brasília se chamava Nativus. O debute oficial da cantora, aparentemente, incorpora todas essas informações. Anitta, inclusive, credita a esse ecletismo um de seus principais atributos. Nada disso, porém, é verdade no disco que leva seu nome, 15 faixas (uma bônus) e que a leva também  apenas para o posto de substituta de Kelly Key no imaginário teen heterogêneo, no universo gay receptivo a nova divas e, principalmente, no inconsciente heterossexual.

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Anitta é fútil como foi a ex-mulher e descoberta de Latino e é uma lástima que repita o que estourou em uma proporção bem menor no começo da primeira década do século. Sim, Kelly Key emplacaria em 2001. Dez anos depois, Anitta ainda está bancando a garota que rebola na frente do garoto e que, porém, não despiroca em momento algum. É comportada e finge que não. É conservadora e nem sabe que é. É, inclusive, eclética no pior sentido da palavra. Em suas letras, não faz orgia, mas também não é segura sexualmente no seu gosto básico. Se orgulha de brincar e competir com seu par. Não dá, nem desce. É o funk da TV Xuxa. Felizmente, o funk não presta atenção em Anitta para além da sua habilidade em montar o quadradinho. Em primeiro lugar, o gênero tem intérpretes e compositoras muito mais interessantes que a bola da vez do pop radiofônico brasileiro: MC Marcelly (assista o clipe dos sensacionais versos “Tu tá maluco!? Respeita o moço! Ó, patente alta, dá aula! É bigode grosso”), MC Carol (ouça ela dizendo “Desgraçado, eu te amo! Larga sua mulher, larga sua família!”) e MC Beyonce (do mega hit “Fala Mal de Mim”) Em segundo – e não menos importante -, o que Anitta faz não é funk. Como questiona Rodrigo Levino, na Folha de S. Paulo, é uma espécie de domesticação do funk. Curiosamente, ao vivo, Anitta perde a linha (e é o melhor momento de sua apresentação) quando emenda as putarias de MC Magrinho e MC Tarapi – mesmo que em suas versões sem palavrões.

E domesticar o funk não é esperteza. Esperteza é a safadeza malandra de “Normal, Mamãe Passou Açúcar Em Mim”, a inocência de “Passinho do Volante”. Além de “Show das Poderosas”, as únicas tentativas de hit que dão certo no álbum são “Menina Má” e “Meiga e Abusada” (repete-se o discurso em ambas de fórmula batida e samples espertos). O que Anitta faz em pouco mais de 40 minutos é constrangedor, um atestado de óbito criativo dos empresários e publicitários da Warner Music. “Principe de Vento”, “Achei”, “Eu Sou Assim” e “Não Para” abusam da mediocridade (ainda se saia bem na pop-reggae “Zen”, uma boa aposta). Quando Latino, Claudinho e Buchecha, Pepê e Neném tentavam fugir dos hits que os consagravam, caíam nesse chavão acústico de falar de amor da forma mais pueril possível. As consequências disso foram iguais para todos: viraram amigos da Xuxa. Anitta repete o feito se aproximando do mainstream sangalístico que é liderado também por Preta Gil.

Anitta foi esperta e corajosa quando peitou e bancou que “Show das Poderosas” merecia ser trabalhada. Aliás, Anitta é esperta. Além dos funks (e alguns covers banais como “Você”, de Tim Maia), o show da carioca tem “Pretin”, de Flora Matos, em interpretação sensacional da cantora. Mas, em estúdio, da faixa 02 a 15, Anitta é tão covarde e mesquinha como são as filiais brasileiras das gravadoras que só apostam na bola cantada. Anitta cede aos apelos conservadores dos executivos e à pobre parceria com Jeferson Junior e Umberto Tavares. A música de rádio do Brasil se repete há 10 anos. Luan Santana não significa mais nada. Naldo parece que nunca existiu. Todos ganharam muito, muito dinheiro. E quando se ganha dinheiro sendo covarde isso é picaretagem, mau-caratismo. O mainstream brasileiro é o grande personagem deste álbum de Anitta: ele nos seduz com uma rebolada, a gente curte e, na hora do vamovê é o papai-mamãe de dois barrigudos donos de apartamento da Barra da Tijuca (com Romero Britto pendurado na parede).

Seu nome na capa é grafado rosa com purpurina e se encerra com um rabo de diabo (?). É uma pena que não seja claro pra todo mundo como é um erro que versos como “Hoje eu tô perigosa / Hoje eu tô venenosa /Me bateu uma vontade louca de fazer… / Nada de papo torto / Eu sei o jogar o jogo / Fica ligado que o meu alvo pode ser você (…) Não tô a fim de historinha / conversa fiada” desemboquem em um refrão como “Eu tô querendo um homem / Cachorro eu quero em casa”. Como diria o público fonte fiel de grana da cantora, não faz a egípcia e SE JOGA, BEE.