Bowerbirds | The Clearing

Bowerbirds

The Clearing

[Dead Oceans; 2012]

7.7

ENCONTRE: Site Oficial

por Rafael Abreu; 19/04/2012

“The Clearing” é o tipo de trabalho que obriga uma legião de não-críticos a escrever todo tipo de texto inócuo sobre a música que encerra, o tipo de coisa que não hesitam em chamar de “doce” (alerta-clichê! alerta-clichê!), “sincero” e – esse é o nível de idiotização a que se chega, ocasionalmente, em “crítica” de música – até “fofinho”, como se adjetivos como esses e seus desdobramentos em frases, parágrafos e textos inteiros não fizessem nada além de redundância, quando muito. Quando pouco, trata-se de: palavras que não acrescentam.

Não é nem que sejam mentiras, mas são insuficiências, a partir do momento em que se acham bastantes. Pois bem, para situar o leitor e mostrar como há um mínimo de verdade em duas das palavras de exemplo, a arena em que os Bowerbirds se colocam, em seu terceiro disco, é a mesma de uma pá de discos do Sufjan Stevens, do Beach House e de outros tantos cujo gosto por certa vulnerabilidade e sentimentalismo acabam levando ouvintes ingênuos a crer que a “sinceridade” que ali parece residir é o bastante. Mas não: trata-se, antes e de diferentes maneiras em cada um desses artistas, de coragem e disciplina criativa, a que faz com que os floreios orquestrais de Stevens e os onirismos de Victoria Legrand e Alex Scally, propensos, no papel, a ser tão-somente paumolescências, excessos, renascerem em força e voz, em um esforço imaginativo – em arte, enfim. A coragem, então, está não na expressão de um sentimento frágil, mas na audácia de confrontar esse sentimento e trabalhá-lo, moldá-lo, pô-lo à prova de si e do mundo. “The Clearing”, bem como “The Age of Adz” e “Teen Dreams”, três álbums sem dúvida “doces”, não são só confissões: são sobretudo ficções, mesmo que o que se diga vezenquando seja a “verdade” (a autobiografia).

“The Clearing”, então, se trata justamente disso, um disco de “folk” com a capacidade de imaginar humores, verdades e emoções. De conjurá-los, por assim dizer: a maioria das coisas, em “The Clearing”, vai surgindo sem tanto aviso e com o máximo de naturalidade, em meio às canções, as ideias de canção de, digamos, “Tuck the Darkness In” e “Death Wish” (a melhor canção do disco,sem dúvida). E digo isso porque parece haver, antes de qualquer destreza de produção ou de arranjo, um substrato, música de uma fertilidade que precede sua própria execução, sua própria existência concreta. Uma base sujeita à variações, é claro: o disco está longe de ser perfeito ou totalmente arrebatador, mas é uma base que vale, que já faz o jogo meio ganho antes mesmo que o jogo comece.

É nesse sentido que “The Clearing” se relaciona com o último disco de Sondre Lerche. Parece haver, aqui, o mesmo tipo de fé na composição que o norueguês mostrou tão bem, no ano passado, em seu disco autointitulado. Enquanto “Sondre Lerche” foi um exercício de simpatia robusta, de excelente cantor de rádio, “The Clearing” é mais tímido no processo e, na paleta sonora, um pouco mais ambicioso. Se bem que a palavra mais certa talvez seja mais “espalhafatoso”, mais cheio de “efeitos”, em se tratando de um disco nada extravagante. Canções como “Stitch the Hem” e “This Year”, então, por acreditar nesse trabalho de composição, na habilidade de montar (contar, criar) uma história convincentes por meio do som, são canções que, acomodadas, tomam o sentido de pequenas descobertas, pelo jeito de que as coisas se arranjam, ali: aqui um fraseado de piano, ali um eco, aqui o surgimento de um xilofone, um dedilhado de guitarra subindo e descendo a espinha da faixa. Isso quando, com o espaço que se tem dentro de uma música simplesmente boa, de se explorar uma harmonia flutuante, profusa, mutante, se abrindo em flor (perdão) em “Death Wish”.

A moral da história, depois de tanto papo, é a seguinte: pequeno e sussurado, “The Clearing” é, enfim, um bom disco, talvez da maneira mais difícil – a convencional.