Céu | Caravana Sereia Bloom

Céu

Caravana Sereia Bloom

[Universal; 2012]

8.5FITA RECOMENDA

ENCONTRE: Site Oficial

por Rafael Abreu; 13/02/2012

Da última vez em que se ouviu Céu, mal dava pra ter certeza de que a moça fora realmente vista. Talvez porque “Vagarosa” seja um disco em que a arte do desaparecimento se mostrava tão plena, ficava difícil saber se um álbum tão bom e essencialmente ilusionista como aquele não tinha sido, ele próprio, só ilusão. Rosácea e translúcida na capa, doce, sedutora e sempre discreta nos sulcos do vinil que não existe, a cantora dominava um palco muito bem delimitado: cenário minimalista, um bocado de dub, outro tanto de samba, um pouquinho ainda de jazz, uma pitada de Serge Gainsbourg (“Grains de Beauté”), muita fumaça e um senso implacável de som assombrado (assombroso) amarravam bem o espetáculo que eram (e ainda são) faixas como “Bubuia” ou “Cangote”. Um disco pesado, portanto, por mais que se trate de um dos trabalhos mais “fáceis” de 2009. Não obstante o tanto de atmosfera, ilusionismo e efeitos especiais empreendidos em sua produção, “Vagarosa” é feito todinho de música de pernas abertas, melodias que se enroscam fácil no ouvido e lá ficam, em circunvolução quieta e eterna.

Se “Vagarosa” era um disco sobretudo excelente, no entanto, não deixava de ter seus defeitos, o maior dos quais vinha justamente do que era, também, o maior êxito da bolacha: superprodução. Se o cálculo em obra de arte é um fato dado, resolvido e inevitável, a verdade é que ali havia momentos em que não só toda a atmosfera do disco chegava a ser um tanto opressora, descambando pra ligeiros chavões de textura sonora, quanto a própria música se esforçava demais, se prescrevia demais, em determinados momentos.

Todo esse preâmbulo de passado porque o presente de Céu tem muito dele: revisto, reconstruído e muitas vezes resolvido, no disco em questão.

A primeira coisa a saber sobre “Caravana Sereia Bloom” é que se trata de um disco leve, solto. O que, de cara, já desata um dos nós da Céu mais lenta: “Falta de Ar” e “Asfalto e Sal” são, também, faixas fáceis, mas de uma facilidade mais valorosa que a da maioria das faixas de “Vagarosa”, uma facilidade mais bem trabalhada, mais bem resolvida justamente porque a perspectiva de uma atmosfera não seja tão obstinadamente perseguida, ainda que se trate de um disco conceitual. Uma facilidade mais difícil, digamos, sem abrir mão de ser acessível. O que tem a ver, também, com a segunda coisa a saber sobre “Caravana”: o que se tem, aqui, é um disco pop – de rádio, de viagem entre amigos, de um número determinado – embora restrito – de bares moderninhos, quiçá passível de ser ouvido (e apreciado) pelos ouvidos mais enjoados de pais e tios. Talvez porque se trate menos de uma jornada – por mais que a moça tenha se inspirado numa viagem imaginária – e mais de uma série de paradas, cada qual um tanto autônoma, em sua relevância.

A terceira coisa a saber sobre “Caravana” é que é um disco mais cheio, em timbres, do que seu antecessor: guitarra, bateria, baixo, teclado capenga, drum machine vagabundo, sampler e metais fazem do trabalho um disco de banda, pela esperteza da dinâmica entre cada um desses instrumentos. Se uma paleta de timbres cheia dá a entender que faltaria espaço nas faixas, no entanto, a verdade é que isso é o que mais sobra: menos sufocado pelo ultracálculo de “Vagarosa”, há espaços vazios que deixam canções como “Contravento” crescer, inchar, inflar – sempre dentro dos próprios limites.

Tudo isso pra se pintar uma viagem por botecos de beira de estrada do norte e do nordeste do Brasil, mote central de 12 em cada 10 matérias que se lêem sobre o álbum. O que poderia facilmente ser uma cilada, não fosse o cuidado em articular as referências geográficas-sonoras óbvias do disco – o brega, a música latina, o reggae, a cumbia – de forma que não sejam só citações, referências vazias. São, antes, ecos longínquos, incorporados a um som em que a autoralidade é uma noção sedimentada. “Caravana Sereia Bloom” é um disco de seu tempo e de seus músicos. Não repete com preguiça, ingenuidade ou má fé, portanto: desenvolve.

O que fica patente nessa preocupação em situar “Caravana” como um viagem conceitual sonora, por fim, é que o gosto pela representação, tão literal em “Vagarosa”, permanece, aqui, mais sutil. Se o palco, antes, era esparso e etéreo, a ambientação, agora, é a do set submarino de um programa infantil noventista, bonito e acertado em sua construção justamente porque, por infantil – leve, fácil – que tenha sido projetado, seja tão obviamente um produto adulto, resolvido, ponderado – maduro, enfim. Um cenário que comporta tanto o tom matreiro de “Asfalto e Sal” quanto o noir lento de “Chegar em Mim”. Feliz ou triste, lento ou rápido, há uma constante em todas as faixas de “Caravana”: formam uma obra de diversão robusta.