Frank Ocean | channel ORANGE

Quem diria que toda anormalidade do Odd Future seria coadjuvante. Acima de escatologias e da atitude peculiar dos rappers, o jovem coletivo de hip-hop trouxe o talentoso crooner Frank Ocean para dentro do mainstream. Eles se conceituou com a mixtape “nostalgia / Ultra”, teve a marra de abrir o disco de Kanye West e Jay-Z com os primeiros versos de “No Church In The Wild” e debuta com “Channel Orange”, o lançamento mais importante de 2012.

A precipitação de afirmar que um disco desse é o melhor do ano faz coro a cultura do hype estabelecida. É fácil criar um disco pela estética sem justificativa, quando o conteúdo não banca o produto. O álbum de Frank Ocean tinha tudo para cair nessa: vem na ressaca da popularidade do Odd Future; e chega imediatamente após o cantor assumir a homossexualidade. Um lance de marketing bem posto, somado ainda com a participação no Late Night with Jimmy Fallon e a antecipação das vendas no iTunes. Acontece que a música que ele tocou em rede nacional americana, “Bad Religion”, é linda, e o disco é verdadeiramente feito de grandes canções.

“Channel Orange” traz um R&B sacral permeado por flows de rap bem solucionados nos monólogos desenvolvidos nas letras. Frank desabafa num tom que a gente fala que é brega, cria referências com franqueza e canta demais.

“Bad Religion” é um papo com um taxista com o velocímetro rodando, praticamente um garçom a escuta na mesa do bar. A atuação vocal impressionante de Frank lembra que o talento faz falta, e ainda é um enorme diferencial nos tempos da pós-produção.

Épico, faz em “Pyramids” uma grande desconstrução da vida de cafetão (pimp) dos seus colegas. Limita-se nessa questão na música de quase dez minutos, como fez o padrinho Kanye, em “Runaway”. O romance gangsta conta história do homem rodeado de putas e soberano sobre elas na sua riqueza. Frank dramatiza essa estrutura confundindo os papéis. O caso da música chama para pensar em como o afeto fácil (e pago) virou fundamental para o grupo, na superficialidade dos sentimento regrada que criou um buraco. Antes musas de ostentação, agora centro de atenção. Ele se redime de um débito que contraiu sem culpa. Uma das várias metáforas sentimentais do álbum.

A conversa passa pelo vício em “Pilot Jones”. “Você tá sempre fumando. E se a minha mãe brotar aqui?”, ridículo como uma declaração sincera a beira da crise. A marcação de compasso feita por estalos de dedos dá a narratividade da história sem moral entre adição e amor. Estalando os dedos, o ouvinte cantarola e acompanha como um fofoqueiro a relação alheia de fim previsível em uma das várias histórias contadas.

Síncrono com o drama, o álbum flerta com o groove para atenuar o humor. Na primeira metade do disco, “Sweet Live” é o tipíco hit para um dia ensolarado. Pra cima e na vibe. O lado oposto tem “Forrest Gump”, canção suave com assovios. Encravada entre a segunda e a terceira faixa, a vinheta “Fertilizer” é totalmente Stevie Wonder, um detalhe que graceja o conjunto.

Após bombardear com seu passado recente, sem dúvida as escolhas futuras de Frank Ocean serão notícia por um bom tempo. A trama de se assumir o homossexualismo num ambiente tão machista é ficha perto do que seu debut recomenda.

Ele há de se transformar por outros casos, eventualmente se arrepender de detalhes e fazer algumas cagadas também. Se tudo isso for traduzido em canções com tanto primor quanto em “Channel Orange”, vem uma bela discografia aí. A expectativa realizada é uma graça rara que pede mais uma surpresa como próximo passo. Que dure até o fim da carreira.