Gabriel O Pensador: Sem Crise

Serei breve: Gabriel O Pensador tem a biografia pronta pra jornalista escrever início de crítica ou reportagem caso o personagem fosse um rapper americano. O ponto mais bobo (e, no showbiz, bobo não é irrelevante) é o fato de Gabriel não ter origem em uma família pobre, não ser negro. Outro: uma de suas músicas já foi censurada. Mais outro: já vendeu mais de um milhão de cópias. Ainda mais outro: se separou de sua mulher recentemente, voltou suas composições para pontos menos efusivos e esteve em uma polêmica com o bláblábládor Fabricio Carpinejar da qual se saiu inicialmente como vilão. O último: é talentosíssimo como MC. No entanto, por que pouco se fala do rapper carioca?

Em 2013, depois de seis álbuns (12 anos) pela Sony Music, Gabriel O Pensador lança “Sem Crise”. De fato, é um título que pode responder a minha pergunta do primeiro parágrafo. Mas, sim, há uma crise. Ouso dizer, por exemplo, que Gabriel O Pensador se aproxima muito em sua maneira de entortar algumas palavras de nomes que os brancos do jornalismo assumem como ídolos (o exímio Mano Brown, por exemplo). “Pátria Que Me Pariu”, “Loraburra”, “Retrato De Um Playboy” (partes 1 e 2), “Masturbação Mental”, “Astronauta”, “Pra Onde Vai”, “Dança do Desempregado”, “175 Nada Especial”, “Estudo Errado” são todas obras ímpares (e pouco escutadas). Mas a crise é o medo: há medo de afirmar isso pois se teme que defender Gabriel O Pensador seja um atestado de não sabes o que falas porque não te calas. Outro problema: não bastasse isso, Gabriel O Pensador possui uma discografia muito irregular. Seu momento independente reflete mais seu afastamento do mercado popular do que uma atitude artística.

“Sem Crise” não é um disco que me ajude a ilustrar muito o que eu falei em defesa de Gabriel O Pensador e responde, agora sim, a pergunta do primeiro parágrafo. Não se fala mais em Gabriel O Pensador não porque ele saiu da Sony Music, mas porque a produção musical do rapper após a virada do século foi deixando de ser contundente. Houve a certeira (e hit!) “Até Quando”, mas não houve muito mais coisa. “Seja Você Mesmo (mas não Seja sempre o Mesmo)”, de 2001, mostrava o MC acompanhado de uma produção um pouco mais ousada em sua formação (baixo, bateria, guitarra, teclados, metais). Porém, isso nunca se converteu nos palcos onde Gabriel se apresentava. E ouvir Rogério Flausino (“Brilho Cego”), Jorge Ben (“Surfista Solitário”), Nando Reis, ConeCrewDiretoria (“No Ritmo, No Tempo”), Afroreggae (“Pimenta e Sal”) e Carlinhos Brown (“Foi Não Foi”) em músicas sem pretensões artísticas é de doer.

Uma ressalva: talvez sem querer, Gabriel conseguiu fazer Nando Reis em um refrão de melodia e ousadia impensável para a carreira do ruivo em “Boca Com Boca”, a melhor do álbum, a única que poderia atravessar sem prejuízos o gênero no Brasil. Mesmo assim, é difícil apontar uma música de “Sem Crise” que me ajudasse a convencer um não-fã de rap a ouví-lo se caso não houvesse uma simpatia prévia pelo carioca. No caso de um fã de hip hop, a missão não seria tão difícil: como artesão de palavras, Gabriel O Pensador é notável e algumas músicas muito ruins só não são muito ruins por causa desse talento. “Linhas Tortas“,  a música que ilustra o episódio Carpinejar (com direito a safona esperta), é uma peça quase lá em “Sem Crise” (logo depois vem “Nunca Serão”, que dialoga com o Capitão Nascimento e, apesar da preguiça do tema, é uma amostra da habilidade do rapper).

É uma pena que Gabriel O Pensador chegue a 2013 tão decadente em sua discografia. Há uma geração que não pode acompanhar como o rapper é um improvisador raro e como conseguiu em alguns momentos traduzir o freestyle para suas letras.