Here We Go Magic | A Different Ship

Here We Go Magic

A Different Ship

[Secretly Canadian; 2012]

9.2 FITA RECOMENDA

ENCONTRE: Site oficial

por Livio Vilela; 03/05/2012

“A Different Ship”, terceiro álbum do Here We Go Magic, abre com uma frase que tanto define os trabalhos passados da banda quanto nos dá pistas sobre esse. “Às vezes é difícil ser íntimo”, dispara Luke Temple logo no início da segunda faixa, “Hard To Be Close”. Ao longo dos 3 últimos anos, a música do Here We Go Magic, seja como projeto solo de Temple (a estreia homônima de 2009), seja como banda (“Pigeons” e “The January EP”), sempre pareceu se construir diante dos nossos ouvidos, como se o mais importante não fosse o resultado da criação, mas o processo. Assim, mesmo que suas canções não fossem exatamente de primeira classe, era uma experiência bem prazerosa ver Luke empilhando notas em “Tunnelvision” como quem constrói uma torre de taças de cristal sem se preocupar no possível desmoronamento; ou vê-lo perdendo o controle da condução de “Collector”. É um tipo de intimidade a que poucos compositores se permitem, um espírito desmetido e despreocupado que até pode explicar o fato da banda não ter virado hype.

Essa intimidade não se perde totalmente em “A Different Ship”, novo álbum do projeto, mas aparece de maneira, uhm, diferente. Fruto de quase um ano de gravações sob a supervisão do “sexto Radiohead” Nigel Godrich, esse parece ser o primeiro trabalho devidamente finalizado do Here We Go Magic. Não que a banda tenha deixado de lado a proximidade e o mistério dos seus discos-rascunhos. O ponto é que a mágica parece ter passado do processo de criação em si para os segredos escondidos dentro das próprias canções. Fossem filmes, os primeiros álbuns poderiam ser longos vídeos de making of de “A Different Ship”, enquanto aqui somos apresentados a uma versao finalizada e editada do Here We Go Magic. Um corte do protudor, pode-se dizer.

Nigel Godrich, um mestre nessa arte de esconder mundos dentro de canções, obviamente tem alguma responsabilidade na mudança. Ele dá forma ao Here We Go Magic sem fazer a banda escrava da contenção, deixando os truques se revelarem aos poucos. Como meu álbum preferido de 2011 – “Cine Privê” do Domenico – “A Different…” se mostra inicialmente como um apanhado de canções simples (depois de problemas na turnê de “Pigeons” por ser incapaz de tocar algumas coisas, Luke Temple limitou suas composições ao que ele conseguia reproduzir ao vivo com perfeição) e boas o suficiente para convidar o ouvinte para uma segunda vez, quando, sutilmente, começam se mostrar maiores e mais detalhadas do que se havia imaginado. Não é exatamente um disco de fone de ouvido, no sentido que ele não te obriga a ouvi-lo de um jeito ou de outro. As canções não se impõem, mas envolvem, desafiam, como se perguntassem “decifra-me” a cada nota.

As faixas escolhidas por Temple e Godrich para o álbum estão em sintonia com essa ideia e unidade, apresentando uma coleção mais coesa de referências e sonoridades. Bem distante do sub-Animal Collective que um dia cogitou-se que a banda seria, o Here We Go Magic de “A Different Ship” bebe tanto da psicodelia sessentista (Love, principalmente) quanto do pós-punk e da new wave de Talking Heads e XTC, num linha de pensamento que passa pelo krautrock e Brian Eno e acaba invariavelmente caindo no Radiohead (pós-“Amnesiac”) que Nigel ajudou a moldar. A influência do folk ainda pesa sobre Temple, mas aparece dissolvida no álbum, ora no seu canto ou nas levadas de guitarra e violão.

O trabalho tentativa-e-erro do The Futureheads no artístico “News & Tributes” de 2006 talvez seja uma referência mais precisa do som de “A Different Ship”, mas é inimaginável pensar que uma banda que sempre soou tão “energética” fizesse um disco tão leve quanto esse. Outra comparação possível seria outro grupo da mesma turma, o Field Music, que fez um dos álbuns do ano com as mesmas referências, mas num “espaço sonoro” bem mais claustrofóbico.

A maioria das músicas começam com uma ideia bem simples que vai se desenvolvendo em algo bem maior, dissolvendo-se pelos sintetizadores em algo mais etéreo (“Alone But Moving”) ou tensionando-se com os coros da tecladista Kristina Lieberson (“Made To Be Old”). As exceções são os singles óbvios “Make Up Your Mind” e “How Do I Know”, composições perfeitamente pop que filtram e ampliam as sensibilidades que a banda tinha descoberto em músicas como “Collector” e “Tulip”.

Liricamente, Temple parece mais direto e ligeiramente menos nonsense (a não ser na faixa-título, sobre viagens de uma mulher entre o céu e o inferno, incluindo um “Fuck / You / God” no refrão). Se o tema pode ser tomado como uma explicação da própria carreira da banda, a noção de intimidade – e a falta e o excesso dela – é revisitada algumas vezes durante o álbum. “Como saber se eu te conheço? / Quando você sai limpa do banho”, se pergunta esperançoso em “How Do I Know”. “Ninguém quer viver no meio por que ninguém quer ficar sozinho”, afirma com um tanto de convicção em “I Believe In Action” para então pensar melhor e questionar a artificialidade do amor duas faixas à frente (“Made To Be Old”): “Você parece uma prisão sem o tempo”.

Além da questão da intimidade e das imagens marítimas (o navio, o oceano), Luke Temple volta e meia se provoca sobre a relatividade da ideia de movimento na arte. “Não se mover não significa que você não está se movendo” crava na abertura de “I Believe In Action”. Parece outra afirmação cabível para descrever o momento do grupo, já que o álbum não expande a palheta de sons nem as intenções artísticas da banda, mas impõe limites e formatações. Só que ao dar um passo ao lado, “A Different Ship” mostra que o Here We Go Magic já estava bem à frente de todo mundo.