Lower Dens | Nootropics

Lower Dens

Nootropics

[Ribbon Music; 2012]

7.3

ENCONTRE: Site Oficial

por Rafael Abreu; 14/05/2012

“Nootropics” é a prova de que a distância entre dois discos é completamente imprevisível. Sendo a arte o que ela é, fatores externos como o tempo, a mudança na formação de uma banda e o ambiente em que essa ou aquela obra é produzida nem sempre funcionam como o que chamaríamos de parâmetros, indicativos, sintomas. É capaz que tudo isso mude muita coisa, é capaz que nada mude por tudo isso, e é capaz que um nada, por fora, acabe interferindo em tudo, no “por dentro” de um grupo.

Pois bem, faz pouco menos de um ano que “Twin-Hand Movement”, o disco de estreia do Lower Dens, foi lançado. De lá pra cá, algumas coisas mudaram – um novo baterista, um novo produtor – mas seria difícil prever o salto de qualidade, ambição e segurança que se vê realizado em “Nootropics”, um irmão maior consideravelmente mais bem sucedido que “Twin-Hand Movement”.

E se há uma distância tão grande, entre os dois discos, é preciso descrever o antes e o depois, e só depois explicá-los.

O “antes” do Lower Dens era um disco mediano, melancólico e reticente, centrado na guitarra de Jana Hunter, cuja voz se ouviu pela primeira vez há sete anos, quando a chamada “new weird generation” estava em alta e o freak folk era a onda do momento. Lançada cinco anos depois do primeiro trabalho solo de Jana, a estreia do Lower Dens até tinha a ver com o folk, com a poética de trovador solitário, música doída e lamentada que constituía a base do disco, mas a verdade é que tinha, também, um tanto de rock. De guitarra, de baixo, de voz e de bateria, portanto. E de outro tipo de referência: uma morosidade à Black Tambourine, um senso esparso à Pixies (“A Dog’s Dick”) e até um pouquinho de horror rastejante típico do Joy Division (“Plastic & Powder”). Era um disco de rock, então. Mas também um disco de pontas soltas, de falta de propósito, de composições cuja execução atmosférica mais atrapalhava do que ajudava. Um disco sem muita força de vontade, enfim.

Que é exatamente o que não falta em “Nootropics”, um disco mais realizado em sua proposta, pouco preguiçoso e de visão bastante clara: a de um mundo também em câmera lenta, agora com um ponto de partida e ao menos uma perspectiva de chegada.

“Alphabet Song”, primeira faixa do álbum, trata de refazer as expectativas. Está tudo basicamente ali, as linhas de guitarra lânguidas, a voz de sereia de Hunter, o som espaçoso e o andamento sem pressa, mas o que entrega o jogo é a batida, uma síncope obstinada e vagarosa, que, com o sintetizador, enche a faixa de propósito, de força, de futuro. É um momento exemplar do que se ouve no disco inteiro, a construção da certeza de uma massa considerável em um ambiente em que tudo perde um pouco de seu peso, em que tudo flutua. É nesse sentido que “Nootropics” lembra muito o projeto falho de “Interstellar”, o mais novo queridinho cósmico da patota das tendências – porque ele a desenvolve. Há certa repetição, há certa exploração de paisagens lunares já conhecidas, é verdade, mas com a diferença de que, aqui, algum tipo de conflito é oferecido, algum tipo de procura. Que é justamente o que mais o diferencia da viagem “de algum lugar a lugar nenhum” que “Twin-Hand Movement” realizava, em alguns momentos.

“Nootropics” é um disco extraterrestre, a fotografia em câmera lenta que é a excitação da decolagem ou aterrissagem de um foguete. Um trabalho que homenageia o Kraftwerk e o Neu!, pela batida motorik, pelos sintetizadores e pela voz da própria autora, sem a pretensão da emoção mecânica ou o gosto quase fetichista por uma era tecnológica primitiva típica de bandas que rondam ou vêm do krautrock. E que se aproxima do Beach House, não só pelo timbre e pela técnica dos vocais, quase sempre alongados, mas pela constituição cuidadosa de um sonho, ainda que mais periclitante, neste caso. O processo, aqui, é sobretudo o do acúmulo de sons, da soma, de um ir enchendo espaço reverberante e dotá-lo de forma, torná-lo palpável. As coisas (os sons) não se contentam com a indefinição de corpos perdido no espaço, de naves espaciais à deriva. “Nootropics” escapa do destino reservado à maioria dos discos desse estilo justamente porque, na maioria de suas vezes, se atreve a não ser amorfo. E o segredo está nas nuances: mesmo as faixas mais fracas (“Propagation”, “Lamb”, “Nova Anthem”) não estão isentas dessas pequenas variações de humor e de profundidade.

E é por isso que ouvir os melhores momentos de “Nootropics” é mais ou menos como ver um objeto cortante voar, em câmara lenta, na direção do próprio ouvinte, um movimento cujo exemplo mais significativo (embora não o melhor) talvez sejam os doze minutos de “In the End is the Beggining”. A velocidade se encarrega de amaciar o impacto, mas a ameaça e a potência do ferimento continuam aprisionadas – na faca, na tesoura ou na guitarra.

“Nootropics”, aliás, não é só o nome de um disco. É a palavra, em inglês, que se dá a um tipo específico de droga, substância ou alimento que aumenta as capacidades cognitivas. O tipo de coisa que potencializa o raciocínio, alavanca a memória. Que te dá mais concentração, te faz mais atento. E transforma o menino de uma banda em astronauta de primeira viagem.