Madonna | MDNA

Madonna

MDNA

[Universal; 2012]

5.8

ENCONTRE: iTunes

por Livio Vilela; 27/03/2012

Quase 30 anos de carreira, 54 de idade, dezenas de hits, polêmicas e namorados famosos e ainda fica a pergunta: quem é essa garota? A pergunta que martela há anos na cabeça de aficionados com o pop como nós também parece tirar o sono de Madonna em seu 12º álbum de estúdio. Dado o título do disco, “MDNA”, somos levados a pensar que trata-se de um trabalho-resumo, uma antologia como motivação estética, hipótese que a diversidade de sonoridades (e produtores) do álbum parece confirmar.

Como Bowie antes dela, Madonna construiu uma carreira através do exercício de ser e não-ser, projetando conceitos aparentemente enormes para, no momento seguinte, destruí-los em praça pública como festa de inauguração de uma outra estátua, nova e excitante e destinada a virar cinzas como todas as outras. Iconoclastia como motriz da criação. Até mais do que o camaleão original, Madonna fez isso menos por sons do que imagens. Claro, a música por muito tempo (e em alguns momentos desse “MDNA”) foi incrível, mas nunca fez o trabalho sozinha. Não há “Vogue” sem a coreografia, não há “Like A Prayer” sem a cruz em chamas, não há “Hung Up” sem o colant rosa. No entanto, apesar de todas essas cores e texturas, o dilema do camaleão sempre será um só: qual é a minha cor quando não há mais cores para copiar?

“MDNA” até se esforça para responder as perguntas traiçoeiras que sua própria autora se impõe. Não há verbo mais conjugado nas 12 faixas (16 na versão do diretor) do que o “to be”. “Eu sou um tipo diferente de garota”, “Eu estou viciada”, “Eu sou uma pecadora”, “Algumas garotas são…” e “Eu sou uma garota fora de controle”. Ela é e ela está várias e, se isso serve de consolo, esse é tipo de resposta em que Madonna é realmente rainha. Ela pode não responder diretamente às perguntas, mas as verdades que ela inventa geralmente são mais divertidas do que qualquer sinceridade que pudesse sair daqueles lábios carmim que estampam tão bem a capa de “MDNA”.

Capa, aliás, que resolve outra parte da pergunta. A direção de arte do brasileiro Giovanni Bianco deixa clara a intenção de Madonna em “MDNA”: ela vai mostrar o quanto ela quiser, como ela quiser, através de quantos vidros forem necessários. Não se trata exatamente do DNA puro e simples da cantora, mas pedaços dele.

Isso explica, em parte, porque “MDNA” é um álbum tão confuso, tanto tematicamente quanto musicalmente. Ao mesmo tempo em que passa uma boa parte do disco fazendo provocações sobre o que ela mesma representa, Madonna parece tragicamente insatisfeita com uma série de coisas que não saíram como ela tinha planejado. O fim do casamento com Guy Ritchie parece ser o principal fantasma e é ele o foco de uma das piores músicas do álbum, a pífia “I Don’t Give A”, um relato absurdo sobre como Madonna sofre tanto, ao ponto de não conseguir ir na manicure (bitch, please).

Essa fragmentação está por todos os lados de “MDNA”, apesar do esforço hercúleo de Martin Solvieg e William Orbit, que operam boa parte das canções. Mesmo sendo de “escolas” diferentes, os dois fazem o máximo para dar uma cara única ao álbum, o que resulta numa espécie de pop produzido em laboratório que nunca esconde sua artificialidade. O problema é que quando Madonna se levanta do trono milimetricamente desenhado pelos dois, ela causa mais estragos do que deveria, como em “Gang Bang” (eletroclash em 2012, mesmo?) e “I Don’t Give A Fuck” (um break de dubstep e arranjo de cordas numa mesma música, imagine o desastre).

Pelo menos os singles funcionam, mesmo que jogar o jogo do pop atual – que ela mesma inventou – não pareça ser lá um dos programas favoritos da cinquentona. “Give Me All Your Luvin’” faz um belo par com o primeiro grande sucesso da cantora, “Holiday”, mesmo com o namedropping desnecessário de M.I.A. e Nicki Minaj. Já “Girl Gone Wild” parece óbvia demais num primeiro momento, mas é possivelmente a coisa mais grudenta que ela fez desde “Hung Up”.

“I’m Addicted” joga Madonna no ponto de encontro entre a disco music e o house, sem soar datada em nenhum momento. Não vicia como droga, mas dá um barato. “Love Spent” parece uma evolução natural da parceria com Orbit em “Ray Of Light” e, mesmo que soe como mais um exemplo do linguajar clássico de Madonna, há um certo charme na fragilidade com que ela canta o refrão trocadilhando amor e dinheiro.

O resto do álbum, como tem acontecido com seus lançamentos recentes, soa, bem, como o resto do álbum. Há baladas sem muita inspiração (“Masterpiece”, “Falling Free”), provocações gratuitas (“I’m A Sinner”, “Some Girls”) e músicas que simplesmente soam como Madonna (“Turn Up The Radio”, “Superstar”), o que talvez seja o grande propósito de “MDNA”.

Como já fizemos antes tantas vezes, em “MDNA” assistimos Madonna – através do vidro, como ela gosta – em mais uma das suas mirabolantes transformações. Em troca pelo espetáculo, ela só pede todo nosso amor. O problema é que nem nós e nem ela andamos tão generosos assim.