Marcia Castro | De Pés No Chão

Marcia Castro

De Pés No Chão

[Deck; 2012]

7.6

ENCONTRE: iTunes

por Yuri de Castro; 23/04/2012

Mais do que 29 beijos, número escolhido na sétima canção de seu mais recente álbum, Marcia Castro parece disposta a oferecer-se muito mais como uma artista do que uma cantora competente. “De Pés No Chão”, segundo da carreira, reitera a facilidade que Marcia Castro tem em prestar tributo como consequência da boa obra que constrói com seu repertório.

É um ponto importante. Situando o leitor, é bom lembrar que, se a sigla MPB sempre evoca aquela ressalva por ser um termo abrangente – e tratado muitas vezes como adjetivo para, e somente, para cânones (desconfie sempre), a mesma ressalva deve ser feita quando se fala de cantoras de MPB. Se não feita, o distúrbio é grande e alguns ruídos, essenciais, podem ser desprezados. Marcia Castro é um desses ruídos.

Ainda que não surja como uma peça chave para a compreensão da música deste início de segunda década, “De Pés No Chão” é exemplo – um pouco atrasado, bem verdade – diferenciado dos produtos que (ab)arrotam elegância e MPB sofisticadíssima nas prateleiras. Marcia Castro abusa das suas referências e chega a prestar tributo, mas de forma seguinte ao bom repertório montado em seu segundo álbum. E começa logo na primeira faixa: a homônima, de Rita Lee, apresenta a voz de Márcia em frases irônicas sobre sexualidade. “Eu nasci descalça. Para que tanta pergunta?”, canta. Parece fácil vasculhar a música brasileira atrás de pérolas. Não é. Neguinho erra pra caramba. O início dos 2000 ainda deixa um ranço “DJZéPedriano” em nossa música, um ranço “cast da Trama” e você se lembra bem deste legado jabazeiro de MPB light para o eterno. Marcia pode se enturmar e parecer ser um deles. Mas não é, não.

Ao ir atrás do primeiro álbum de Rita Lee com a Tutti Frutti, de 1974, e buscar “De Pés No Chão” deixa claro como se vê interprete: antes de tudo, precisa ser artista. Antes de homenagear, é preciso que o resgate seja consequência e não único motivo do registro. E o álbum segue este percurso inclusive em obras transformadas em babas por tantas cantoras que saem das faculdades de humanas com o microfone na mão, sandália no pé e vestidinho solto – quase nunca sexies. Marcia é uma pimenta. Na voz, em “Preta Pretinha”, ao convidar Hélio Flandres para dividir “29 Beijos” (também da dupla Moraes Moreira e Luiz Galvão), ao trazer à tona o casal Otto e Alessandra Negrini com “História de Fogo” e, principalmente, ao esquentar ambos os ouvidos em busca de música brasileira: sejam estes acostumados e satisfeitos ou sejam estes mais exigentes – por esnobismo ou mesmo por conhecerem as inúmeras tentativas de reler a música brasileira de forma “sofisticadíssima” – quase branca. Marcia Castro explora bem o seu domínio e sua Bahia sobre a música brasileira e, por isso, foge do banal – ainda que não fuja do fato deste registro soar pertinente muito mais por causa do cenário onde nasce e não unicamente por causa das suas qualidades.