Mathew Dear | Beams

Matthew Dear

Beams

[Ghostly International; 2012]

4.7

ENCONTRE: iTunes

por Rafael Abreu; 22/08/2012

A verdade é que robôs são fascinantes. De um número infinito de futuros mirabolantes e aspiradores de pó inteligentes a um grupo de alemães consideravelmente influentes, cérebros e corações de lata estiveram por tudo quanto é lado do imaginário humano. São motivo de humor, de assombro, incredulidade e maravilhamento, e se você parar pra pensar, sendo o computador a base da existência desse tipo de coisa, são a fonte de inspiração de todo um gênero musical. E é aí que entra “Black City”, o último disco do eletrônico e americano Matthew Dear. Lançado há dois anos, era a mesma questão de sempre – o impulso elétrico, o movimento mecânico, os olhos de vidro – transportado a uma tempo em que o cinismo é o parâmetro. Repetitivo, artificial, vezenquando superficial e meio deslumbrado com o próprio design, era um disco que funcionava à revelia do sistema e do cenário em que se encaixava. Ouvi-lo é ver uma pista de dança que só não era de natureza morta porque tinha o movimento e tinha a cor e tinha o brilho do metal de androides dançando, estranhamente sensuais, na penumbra. Definitvamente um disco surreal, definitivamente um disco interessante.

Dois anos depois, a música de Dear continua robótica, e “Her Fantasy”, a primeira e melhor faixa do disco, deixa isso claro logo de cara. A quantidade absurda de confete que ela dispensa só é colorida por aproximação: o pano de fundo sonoro parece excêntrico e vivo, mas cada uma de suas peças, muito bem encaixadas, é de uma redundância hipnótica e artificial, a mesma lógica de barulhinhos acertados de, digamos, “Groove Is In the Heart”, só que feita mais fria, mais calculada e mais retesada. Os vocais, familiares, são tão gélidos e ameaçadores quanto os de qualquer prazer que “Black City” tenha nos dado anteriormente. E a própria letra acaba antecipando a questão não tão bem resolvida de todo o álbum: “Am I the chrome man, am I not of great design?/ Do I feel love like all of the others or is this feeling only mine?”. É um homem-de-lata mais sombrio se sondando, meio perdido, a respeito de possíveis sentimentos. Essa dúvida parecia resolvida, dois anos atrás: não havia propriamente um amor maior, mas havia uma paixão de superfície, uma excitação bonita que talvez não fosse tão profunda assim – mas que funcionava.

O problema, aqui, é que a profundidade de uma parte considerável de “Beams” não chega nem a penetrar o raso de uma pele. O que significa dizer que, se o modus operandi parece ser o mesmo, os resultados são ocasionalmente vazios. Ficam os gestos, vai embora a beleza. A mecânica do disco prevê basicamente o mesmo tanto de cálculo e frieza que seu último trabalho, com a diferença de que não há muita base para a produção obviamente muito boa que Matthew aplica a cada uma das faixas e que, ocasionalmente, o disco envereda por caminhos não propriamente roqueiros, mas mais afins ao som de uma banda. O engraçado, dito isso, é que justo quando Dear se arrisca a mexer com sons mais “orgânicos” – uma linha de baixo menos sintética em “Earthforms”, uma dinâmica de guitarra à Talking Heads em “Up & Out” – os sons já nascem parcialmente mortos, anestesiados, blasé demais pra seu próprio bem. “Soil to Seed” e “I Can’t Feel”, pra citar duas canções bem exemplares de “Black City”, trabalhavam com as mesmas dificuldades: eram artifícios, composições cuja origem devia estar, inclusive, mais nos efeitos do que nos sentidos. E, no entanto, tinham ginga, sensualidade, desenvoltura de composição mesmo. Sabiam a que vinham e encontravam ânimo em timbres e temas que, normalmente, seriam mais valorizados por um suposto aspecto “cerebral”, mais esforços mentais do que rebolados. E se safavam.

“Beams” não tem a mesma sorte. Quando as faixas são periclitantes o suficiente pra se safar, o fazem quase sempre por muito pouco. Por alguma virada mínima, por uma guinada no último segundo ou por uma batida satisfatória. Por ornamento. Falta o engenho, o mecanismo, o cérebro eletrônico. Faltam robôs, sobram manequins.