Depois de 3 álbuns banhados em melancolia, já dá para dizer que a tristeza não é estado para a música do Momo, é condição de existência. E “Cadafalso”, quarto álbum do projeto do mineiro-carioca Marcelo Frota, segue a mesma toada. Lançado de surpresa no último mês de abril, o disco parece ser a primeira obra de Momo que é movida principalmente por uma força estética, ao invés de uma catarse pessoal como em seus outros trabalhos. Se “A Arte Do Rabisco” (2007), “Buscador” (2008) e “Serenade Of A Sailor” (2011) podem bem ser encarados como uma trilogia perfeitamente sequênciada – o fundo do poço, a tentativa de fuga e a resignação – “Cadafalso” é, mais do que um novo capítulo, uma nova história que em boa parte do tempo faz pouca ou nenhuma referência ao que veio antes.

É o mesmo Momo, a mesma tristeza e o mesmo violão que os poucos seguidores do bardo do Jardim Botânico conhecem, mas já ao fim “Coragem” dá para sentir a secura e a dureza que vai guiar o disco. Gravado todo em mono, quase só voz e violão, “Cadafalso” mostra a música de Marcelo Frota em seus elementos mais básicos, mais definidores. Há quem irá sentir falta da psicodelia farmacológica de “A Arte Do Rabisco”, do rugir da guitarra e da garganta de “Buscador” ou do balanço suave de “Serenade Of A Sailor”, mas, no fim das contas, é difícil não se assombrar com a riqueza que emerge de um álbum tão cru como esse.

Marcelo sempre foi um homem de palavras – e poucas vezes elas disseram tanto – mas em “Cadafalso” seu violão é quem conta a história, fazendo ponte entre o folk gótico de um Will Oldham (“Sozinho”) e a trova nortista de Humberto Teixeira (“Eu Vou Pro Ceará”, única versão do repertório de Momo até aqui), entre o refinamento barroco de seus pares de lá de fora (“Recomeço”) com a crueza do samba daqui (“Cadafalso”).

Ao longo de todo o álbum, Momo parece estar se colocando menos como um trovador, um cantor/compositor de tal tradição e mais como um Artista, o que parece absurdo já que estamos falando de um álbum feito quase que inteiramente por um homem e seu violão. No entanto, enquanto em seus trabalhos anteriores o leme estava sempre nas mãos de suas agruras pessoas, aqui ele parece ser guiado só pela sua música. Na maior parte do disco, ele está falando em termos universais (“Arte”, “Sozinho”), em lugares (“Eu Vou Pro Ceará”, “Copacabana”) ao invés de dar vazão a um estado de espírito, a uma dor que não quer ceder. Mesmo quando ele escreve sobre si, ele o faz como quase como observador (“Coragem”, “Recomeço”), dando exuberância poética novas às composições assinadas sempre por ele ou por ele e Wado. Aqui, Momo mostra que o “Cadafalso” é mais palco do que ponto final.

O que é mais recompensador em “Cadafalso” é perceber que, levando suas canções à ponta mais extrema do minimalismo, Marcelo descobriu algo tão ou mais rico do que ele fazia antes. Um som tão bonito que é capaz de liberta-lo de qualquer amarra artística, de qualquer rótulo que tenham lhe grudado durante sua primeira leva de discos. Mais do que um ótimo disco, este é um trabalho que celebra o poder de transformação que só a arte em sua forma mais primal é capaz de ter. Como ele mesmo diz quase no fim do disco, este é um novo recomeço.