Mount Eerie | Clear Moon

Mount Eerie

Clear Moon

[P.W. Elverum & Sun; 2012]

5.5 

ENCONTRE: Bandcamp

por Diego Fagundes; 29/05/2011

“Clear Moon” é um disco baseado nas experiências cotidianas de Phil Elverum em Anacortes, uma cidadezinha americana de 20.000 habitantes. O foco das canções, como revelam várias de suas passagens líricas, é o lugar. Mount Erie (com um “e” a menos) também é um lugar. Quando se ouve um disco sobre um lugar, fica-se esperando uma certa transcendência que nos faça estar ali durante alguns minutos (ou experimentar sensações que signifiquem estar ali, vivendo no lugar do protagonista das canções). É preciso mais do que descrições realistas, pois só um disco que vá além do real poderá, em tese, fixar uma lembrança e inscrever a memória de um lugar (e das sensações ligadas a ele) que nunca visitamos em nosso próprio ser.

Antes de começar a escrever sobre “Clear Moon”, eu decidi revisitar uma outra canção sobre um lugar: “Lake Tahoe”, que está no (ótimo) “50 Words for Snow”, da Kate Bush. “Lake Tahoe” é uma viagem semi-descritiva durante a qual Bush vai trabalhando com melodias espaçadas, abertas, curvilíneas e etéreas até finalmente (e lentamente) encontrar uma firmeza qualquer, uma repetição possível que aparece à medida que a canção desliza suavemente da descrição do lugar para a descrição das coisas. Todo o trajeto – de onze minutos – é mantido em suspenso, ora pela ausência de um apoio concreto de repetição (sobretudo nos primeiros momentos), ora pelo incômodo dissonante que escurece (e ilumina?) a canção e intensifica seu impacto. “Lake Tahoe” é uma canção sobre um lugar, sobre assombrações de memórias infantis, fantasmas saindo da água, casas abandonadas, perturbações da alma. É importante entender que não se trata de um Lake Tahoe qualquer: trata-se, antes, do Lake Tahoe vivo na memória de um protagonista que conversa conosco por meio da canção. Ele existe no e se revela por meio do universo de “50 Words for Snow” (a tal transcendência sobre a qual falamos no primeiro parágrafo). Estamos diante de um mergulho num lago tão profundo quanto gélido, e com isso temos a evidência maior de que Kate Bush conseguiu realizar o que pretendia.

Essa ida ao “50 Words for Snow” foi uma experiência interessante para mim. Na volta para o Mount Erie e para Anacortes, por outro lado, ficou evidente que alguma coisa não estava no lugar. A música de “Clear Moon” pareceu inevitavelmente mais pobre, carente das tensões reais que constroem discos obscuros e intimistas, marcada por harmonizações batidas e até um pouco triviais. Liricamente, o disco parece oferecer mais (embora não nessa área específica da transcendência rumo a um lugar imaginário, mas sim num sentido mais propriamente introspectivo e reflexivo – as questões sobre o ser, como é o caso das nuvens que passam mesmo que não estejamos olhando para elas); no entanto, a sensação que me veio depois de ter contraposto esta obra àquela outra permaneceu. Imagino que devamos dar crédito a Elverum por conseguir construir um ambiente sonoro próprio e imersivo, que captura os sentidos e evoca, nem sempre com muito sucesso, algumas imagens marcantes. No entanto – e aqui entra o que outras resenhas não deram conta de descrever – é preciso apontar que, musicalmente, esse exercício de evocação é pouco refinado, e que se baseia em recursos quase sempre convencionais. Com isso, o disco vai se tornando uma espécie de caricatura sonora sobre a qual já sabemos tudo – graças aos clichês – e que não nos surpreende mais; vai deixando de ser imersivo e passando a ser cansativo.

Nessas circunstâncias, as notas e timbres sombrios/frios/escuros (que são a força motriz musical do disco) evidentemente perdem muito de sua força. A experiência final é ambígua. Por um lado, é admirável esse esforço criativo por meio do qual o artista, ao se debruçar sobre o lugar, tenta sugerir reflexões duradouras a respeito do ser e do tempo, o local que serve de ponte para pensar sobre o mundo e sobre as coisas do mundo, como acontece com Milton Nascimento. Por outro, não parece que “Clear Moon” tenha atingido plenamente esse objetivo. Também não acho que o disco tenha qualquer refinamento musical para ser considerado uma obra grandiosa (se fosse, seria digno de revisitação). O que é uma pena, porque Elverum é bom pra pensar.