Priscilla Leone está numa posição bastante confortável no cenário da música pop brasileira. Cada vez que for muito complicado retirar Rita Lee da sua catacumba, a entidade Pitty estará lá no seu lugar, como a mulher oficial do rock nacional. Não por acaso, é possível ouvi-la em todos os finais de tarde cantando versão anêmica de “Agora Só Falta Você”, na abertura de Malhação. E em todas as menções televisivas possíveis ao gênero rock, certamente você vai encontrar Pitty, aparente única representação feminina do gênero no Brasil.

É um erro do mercado? Tudo indica que não. É difícil achar outra mulher no rock brasileiro com o mesmo status. Mais difícil ainda é entender como a cantora chegou até aqui. Pitty não é especialmente talentosa em nenhum aspecto exclusivamente musical. Entre todos os seus hits, não há nada excepcionalmente pegajoso (talvez “Me Adora”, mas Pitty já tinha alguns anos de sucesso), nenhuma grande poesia (o refrão de “Equalize” é hilariante), nenhum grande arranjo. Não há nem mesmo uma grande voz. Pitty canta sempre alguma coisa óbvia e mal escrita sobre uma base de hard rock morta em ’94, o que tornaria sua posição atual inexplicável. Tornaria, se Pitty não fosse incrivelmente carismática. Sendo assim, chegamos a 2014 com mais um disco da cantora, o quarto em 10 anos, encarado por alguns como a salvação comercial do gênero no país.

“Setevidas”, previsivelmente, não tem a força necessária para isso. É, contudo, obra suficiente para manter Pitty onde está. Dado o seu apoucado conteúdo, é provável que tenha sido concebido exatamente com este objetivo. Depois do estudo de caso “Agridoce”, projeto em que experimentava gravar músicas sem guitarras (note que não usar guitarras, aqui, é um experimento), a compositora se voltou para o que sabe fazer melhor: versões não creditadas de músicas do Stone Temple Pilots (você pode inserir sua banda pós-grunge favorita nesta parte) em um português bem peculiar. Para sublinhar a meta, “Setevidas” foi mixado por Tim Palmer, responsável também pela mixagem de “Ten”, multiplatinada estreia do Pearl Jam. Como curiosidade, a banda até hoje mostra contrariedade pela maneira que o disco foi mixado (na ocasião dos 20 anos de lançamento, o álbum foi para as lojas INTEIRAMENTE remixado por Brendan O’Brien).

Durante o disco, você vai ser informado pela própria que Pitty está madura, que sofreu muito e que isso deixou algumas marcas, mas que elas são necessárias para te deixar mais forte. Assuntos muito interessantes, se você for uma garota entre seus 15 e 20 anos (ou uma mulher que se comporta como se ainda tivesse essa idade). Se você não for, o máximo de maturidade que Pitty tem a oferecer é requentar o frufru do Muse em “Lado de Lá”. E quando a maior ousadia da grande personagem do rock brasileiro é repetir maneirismos da banda mais ridícula do planeta, fica fácil perceber porque o gênero vai tão mal. Sozinha num deserto árido, Pitty pode dizer, confiante: “Agora que eu voltei/quero ver me aguentar”. Vai ser difícil, mas parece que não temos outra opção.