Rodrigo Campos | Bahia Fantástica

Rodrigo Campos

Bahia Fantástica

[YB Music; 2012]

8.7 FITA RECOMENDA

ENCONTRE: Soundcloud

por Matheus Vinhal; 16/05/2012

Há algumas semanas, a revista Serafina chamou músicos da última década para recriar capas de discos clássicos da música brasileira. Criolo foi Cartola, Romulo Fróes foi Caetano, Emicida foi Gilberto Gil. Rodrigo Campos, Tom Zé. Eu, conhecedor que sou das arapucas da crítica musical, não vou cair nessa cilada de traçar paralelos entre esses novos artistas e aqueles de passado tão glorioso quanto próximo. Deixo isso para os amigos da Folha. Mas uma faísca se acendeu por aqui, quando eu, vendo aquelas capas refeitas da Tropicália, dos Secos & Molhados, de Rita Lee e de seu Tutti Frutti, me lembrei de uma fotografia mais recente, no novo disco de Rodrigo Campos, “Bahia Fantástica”, que estampa a capa do Facebook do cantor e compositor paulista. O leitor repare, pois é uma foto interessante e, por que não, importante.

Depois dos últimos discos de Romulo Fróes, do Metá Metá, do Sambanzo, e em especial do Passo Torto, fica manifesto que, falando da música de Rodrigo Campos, falamos também da música dos parceiros que ele escolheu. Estão todos no mesmo barco e são todos capitães, generais sem porquê. Líder temporário e da vez dessa embarcação, Rodrigo Campos é e sempre pareceu o mais seguro de seu itinerário. A música de Romulo Fróes respira e transpira sua inquietação quase acadêmica com a música brasileira e sua tradição, é movida por ela. O interesse e a pesquisa de Kiko Dinucci pela música de raiz africana marca não só sua própria guitarra e sua composição, mas também a evolução das obras cortadas pelo sopro de Thiago França, seja no Metá Metá, no Sambanzo ou no disco de Criolo. Com as poucas pistas que tínhamos, em suas participações especiais e no Passo Torto, Campos parecia estar quase alheio a toda essa influência de seus parceiros mais próximos. O que sentimos em “Bahia Fantástica”, entretanto, é justamente um pouco de todos, comandados e guiados pela obra de Campos. Por isso a imagem de um barco não é ruim – e ainda me impede de usar a imagem do bandeirante desbravador nesse texto. Tampouco quero dizer que, sozinho em seu barco, Campos afundaria. Mas me parece evidente que, com o auxílio de Fróes, Dinucci, Takara, França, Cabral e outros tripulantes mais, Rodrigo Campos alcança mares por ele nunca dantes navegados.

Isso fica claro quando, já na abertura do disco, nos deparamos com a potência única do saxofone de Thiago França, concedendo tanta força à canção de Campos que o resto do disco mal consegue continuar após tamanho choque. A faixa é bastante representativa de como a composição de Rodrigo se manteve basicamente intacta, enquanto os arranjos e a instrumentação encontraram uma grande transformação. Certamente há mérito de todos os músicos aí, mas a participação de Romulo Fróes, na direção musical, é a mais importante a ser destacada.

A sequência das quatro primeiras faixas de “Bahia Fantástica” é um dos melhores momentos da música em 2012. “Ribeirão”, a terceira do disco, é por si só um acontecimento em um ano em que a música brasileira se mostra imensamente mais interessante que a estrangeira. Começando literalmente com o sopro do sax de França, como se um vento nos levasse de fato para uma Bahia fantástica, de um passado de escravos e cabrochas, “Ribeirão” é uma ótima composição de Campos, inteiramente cantada por Criolo, que se confirma curiosamente – afinal, não estamos falando de um rapper? – como o melhor e mais versátil cantor da sua geração, justificando todo o recente hype em torno de si e sua música. Faixas como “Ribeirão”, “Morte na Bahia” (cantada por Luisa Maita) e “Jardim Japão” (com voz de Juçara Amaral, como de usual em excelente interpretação), evidenciam o cuidado e a atenção de Campos com o resultado final do álbum. A participação de tais cantores dá fôlego ao disco e mantém seu suave andamento, algo que possivelmente não aconteceria se Campos, cujo canto sussurrado pode por vezes se tornar cansativo, cantasse todas as faixas.

O ouvinte atento perceberá, já na primeira audição, que “Bahia Fantástica” é um disco de histórias. Por isso, abundam os nomes próprios e algumas expressões ligadas ao cotidiano, seja por meio de gírias mais bem paulistas ou pela narrativa que conta cada faixa. Com isso, as canções ganham certa naturalidade, como se Campos fosse um amigo contando o dia-a-dia ou um evento importante na vida de pessoas que conhece. As faixas, porém, deixam de apresentar um apelo mais direto, aquela emoção que de repente nos toma quando, sem sabermos dizer a razão, percebemos que aquela canção nos fala, ou fala por nós. Não são todas as histórias contadas ou cantadas por Campos que nos abalam, nos tomam de surpresa e nos transportam de fato para uma Bahia fantástica. Isso acontece em especial em “Ribeirão” e “Jardim Japão”, duas músicas que, curiosamente, são cantadas por outros artistas, o que sugere que Campos preferiu acentuar o apelo dessas faixas por meio da interpretação mais emotiva do canto de Criolo e Juçara Amaral.

“Bahia Fantástica” é sem dúvida um grande trabalho de Rodrigo Campos, evidente avanço na sua discografia, com ótimos e grandes arranjos, algumas excelentes letras e participações que acrescentam de fato ao disco, sem se mostrarem supérfluas ou desnecessárias. Mas é, sobretudo, uma constatação do quão prolífico, em quantidade e qualidade de obras, se tornou este grupo paulista formado em torno especialmente  de Campos, Fróes e Dinucci. Todos eles, trajes de pescadores, formam uma tripulação que se impõe como um dos grupos mais importantes da nossa música atual, pouco importando, no fim das contas, se há ou não uma fotografia que marque historicamente esse momento. (Mas há.)