Sharon Van Etten | Tramp

Sharon Van Etten

Tramp

[Jagjaguwar; 2012]

7.9

ENCONTRE: Site oficial

por Yuri de Castro; 06/03/2012

“Tramp” é um álbum de 2012 e, antes de ser um dado, isto é um mérito para o registro com as premissas iniciais deste terceiro registro da cantora Sharon Van Etten. E é estranho afirmar isto em português.

Não fomos educados em inglês, mas é pontual que vamos percebendo música como algo peculiar (a gêneros, classes etc). E isto leva a crer, talvez de forma equivocada e com um quê de lugar comum, que, assim como o futebol, esta arte é universal.

Não é. Não fomos pois educados em inglês e, então, até hoje damos com os burros n’água quando jogamos a base do chuveirinho (gíria para a tática européia de alçar incansáveis bolas à área do adversário na tentativa de marcar gols pelo jogo aéreo). Mas o que faz um tupiniquim se encantar com 90 minutos de um jogo brucutu no qual os gols sairam de uma mesma jogada? Os gols.

Então, nem futebol e nem música são universais em sua compreensão. E, sim, os gols. E, sim, as músicas. E este é um dos principais méritos de Tramp. Assim, fica bem claro que o seu principal aspecto é, de cara, fugir de qualquer cena montada e ter, em si, e não nos bastidores ou na comemoração, os melhores motes.

Claro. Sharon quase desistiu de tudo; fora incentivada por um membro da banda TV On The Radio; viveu uma separação conturbada na qual teria escutado de seu ex-marido não ter talento para música e recebeu um telefonema de Aaron Dessner, do The National, se auto-convidando para produzir “Tramp”.

Quando sobe ao palco, ela agradece o público pela presença. Sharon é desconfortável em cima dele: erra a distância em que se deve manter diante do microfone, é hesitante ao tocar guitarra, nem sempre consegue expressar as palavras de forma clara. Mas sua música, não. E isto vai explicar um pouco o porquê deste ensaio de sair de um nicho específico no qual seria mais uma mulher que, empunhando uma guitarra, acaba soando fofa mesmo que em tragédias de pós-relacionamento.

“Tramp” é um disco de ótimas letras. O que as embala talvez seja o momento mais propício para que Sharon ande mais a vontade pelo mercado. Os acordes, um aqui, outros três acolá, fazem um meio-de-campo razoável. Mas é a voz e a intensidade de cada Sharon presente em Tramp os responsáveis pelo álbum.

Reta, “Warsaw”, em seus dois minutos, deixa Sharon de frente pro campo de histórias: ela insiste na existência dele, tanto que o pede alguma coisa. Ela quer se mostrar, mas o ama silenciosamente. E, aí, fica difícil pro ouvinte, então, rejeitá-la.

E isto expõe Sharon. E é isto que, por conseguinte, a leva para outros casais. Ambientados ou não no que se costuma chamar de folk, não é difícil compreender o que se diz e o que soa em Tramp porque o espaço ali é de característica pessoal.

Ironicamente, por ser unicamente de Sharon, “Tramp” é mais fácil para todos e um caminho inverso do que vem sendo publicado por todos aqueles que abusaram de um certo folk para usá-lo como recurso de escoamento do que lhes sobram à mão. E no que geralmente este folketinho encanta nestas bandas de cá é no aparente resultado final: uma música de qualidade duvidosa mas de aspecto inspirador e pessoal e, principalmente, não-brasileiro; nem sempre uma boa história, quase sempre um cruzamento para o cabeceio do grandalhão Peter Crouch. Em “Tramp”, Van Etten está muito mais para o melhor que erra o gol por caprichar demais no tento do que para o artilheiro da Barclays League que ninguém sabe quem é.