SILVA | Claridão

Antes de começar a falar de “Claridão”, talvez caiba um pequeno desvio para contar minha história com o SILVA. Se bem me lembro, a primeira vez em que ouvi falar de Lúcio Souza (apenas Lúcio Souza nessa época) era 2009 ou 2010, ainda na época do Bloody Pop. Conversava com o Rafael sobre novos artistas e ele me manda o MySpace do tal Lúcio. Na página, daquelas default da velha rede social, havia uma música apenas – ou pelo menos, a única que me chamara atenção – a balada “A Visita”. Falávamos então como a música lembrava algo do Beirut (o violino) e como parecia promissor, ainda que um pouco doce (e pop) demais para nosso paladar de então, acostumado a coisas mais pretensamente esquisitas como Dirty Projectors, Animal Collective e Deerhunter.

Corta para agosto de 2011, Bloody Pop morto e as primeiras conversas sobre o Fita Bruta rolando, o Tomás me chama para falar de um cara que o primo dele estava produzindo e que ele achava que ia bombar logo mais. A conversa se transformou numa versão não-masterizada de “12 de Maio” chegando no meu email. Não fosse a voz e a doçura, seria difícil imaginar que se tratava do mesmo cara que tínhamos comentado havia mais de um ano. Mas era.

No mês seguinte, SILVA nascia com aquele EP elogiado por todo mundo (até o Fita, meio que), transformando o capixaba Lúcio Souza, ex-banda de baile, ex-músico de igreja/de rua na Europa, ex-cara-do-myspace-promissor na mais nova e (quase) unânime (blogs, imprensa e chatos de plantão, todos cantalorando) “grande aposta da música brasileira”. Mais do que o CSS, do que o Criolo, do que o Cícero ou a Banda Uó, SILVA é um dos primeiros “hypes brasileiros” a serem acompanhados e documentados desde o início. E, ao contrário da Mallu – um nome que, de fato, vimos crescer – as reações ao SILVA sempre foram positivas em sua grande maioria.

Como todo álbum que chega com esse tipo de expectativa, “Claridão” já nasce um pouco velho, principalmente porque metade das canções aqui vêm do EP (inclusive relançado com o single “2012” em maio passado). Além disso, a outra metade já existia no YouTube em versões ao vivo não muito distantes do resultado final. Sem nada para surpreender, o desafio passaria a ser a forma como SILVA transformaria ese punhado de boas canções em uma obra fechada e digna das esperanças que depositavam nele.

Uma das críticas que poderiam ser feitas ao EP de estreia de Lúcio era que não havia unidade entre aquelas 5 canções e, em parte, esse é um dos problemas resolvidos com “Claridão”. Maior “sucesso” de Lúcio até aqui, “A Visita” surge depois de um longo fade out que encerra “Moletom”, como se fosse uma bonus track não-declarada. Com a faixa devidamente isolada (no EP ela era a peça central), a música de Lúcio aparece unificada: um pop rock suave, calcado nos sintetizadores, samples e outros formas de fazer música em escala artesanal. Por menor que seja, a divisão parece clara: o SILVA que veremos daqui para frente não é o mesmo do MySpace promissor de 2, 3 anos atrás.

Assim, “Claridão” soa como um álbum feito em 2012, forjado sobre a ideia de que tudo é permitido, tudo é acessível, todos os sons podem ser feitos no mesmo laptop. A faixa-título é a que melhor exemplifica as intenções maximalistas de Lúcio como produtor. A música é misto de “Dança do Passarinho”, “15 Step” do Radiohead, James Blake, o último álbum do Coldplay e uns vocais eruditos sampleados. Um incrível Frankenstein musical que Lúcio consegue transformar numa das melhores canções do ano.

Como compositor, Lúcio parece ser um dos primeiros nascidos “do lado de cá” do mercado (ainda que possua contrato com uma grande gravadora) a serem indiscutivelmente, ainda que não abertamente, pop. Há refrões, uma certa eforia, há sons que parecem ter sido colocados ali só para que grudem na cabeça. Se fosse para colocá-lo numa árvore genealógica, SILVA seria o herdeiro de Samuel Rosa, este herdeiro de Herbert Vianna, todos parentes distantes de Guilherme Arantes.

“Falando Sério”, até onde se sabe o single de divulgação de “Claridão”, é outra que define bem o álbum. É um pop sem vergonha de ser pop e que se esforça um bocado para soar como atual. É metade “Não Fique Estática”, metade “Cheia De Charme” (incluindo a levadinha quase disco) de Guilherme Arantes, só que gravada na tecladeira saturada do Passion Pit. Fora a frase de efeito “Não curto o tédio / Mas ele é tão cute em você”, na linha tênue em que o cool e o cafona que Arantes sempre andava.

A lírica de quase tudo em “Claridão” parece inspirada por Arantes (mesmo que, ao contrário de Jeneci, SILVA não seja um fã declarado). Samuel Rosa, por sua vez, aparece como influência mais clara nas melodias de “Moletom” e “Mais Cedo” (principalmente na fase “Maquinarama”/”Cosmotron” do Skank) . Ao contrário de ambos os compositores, no entanto, Lúcio parece mais interessado em flagrar as sensações vindas de um relacionamento e menos em narrá-lo. Assim, encontramos a euforia em “Claridão”, a exaustão em “Cansei”, a intimidade em “Moletom”, a alegria da possibilidade em “2012”, todos temas que combinam bem com o timbre suave de Lúcio.

“Claridão” não é um álbum sem falhas, no entanto. Com exceção de “Mais Cedo”, falta brilho aos momentos mais melancólicos do álbum, como “Posso” e “Acidental”, e, especialmente para quem ouviu o EP mais vezes, o álbum soa demasiadamente familiar em muitos momentos. Mesmo assim, é bom lembrar que isso é só o começo do que, tudo indica, será uma longa carreira. O que fica, uhm, claro nesse disco é que Lúcio parece ávido, deslumbrado pelo seu som. Uma ausência de medo tão bem cantada em “2012” que só pode ser saudável para ele e para música brasileira.