Sondre Lerche | Bootlegs

Loiro, afinado e norueguês, Sondre Lerche é um queridinho. E isso é pras meninas e pra quem mais se interessar no fetiche. Se respeitasse, inclusive, um pouquinho mais o estereótipo, Sondre seria menos interessante em sua música e ingressaria ao lado do inglês Jamie Cullum na pose de fofinho-talentoso-porém-rebelde (oh, ele sobe no piano, oh, ele sabe cantar com raiva, etc.).

Mas, taí: Sondre não respeitou muito. Sim, se aproveitou, claro: exibiu-se pelo mercado americano interpretando standards em clima jazzy-rock e fazendo pose de outsider-porém-respeitoso em “Duper Sessions”; tentou soar menos careta ao “sujar” (mas de forma branca) e tornar seu som mais ágil no disco “Phantom Punch” e plástico e sofisticado em “Heartbeat Radio”, seu penúltimo de estúdio. No entanto, em 2012, Sondre possibilita outro tipo de leitura para o que fez em sua carreira. Com o lançamento de “Bootlegs”, tudo isso fica mais claro – e, inclusive, melhor.

Seu inglês de colocações e metáforas é o mais fácil gancho para percebemos que Sondre dialoga bem com as possibilidades do deslocamento. E seu repertório chama a atenção não somente pela forma diferente de anunciar um ou outro refrão, mas também por ser o trabalho de um ótimo arranjador pop. E isso é explícito em todo e qualquer álbum de sua carreira. Tanto que, fosse mais conhecido ou tivesse emplacado um isolado sucesso de novela, a Som Livre já poderia certamente lançar um “Perfil”.

O grande ponto de “Bootlegs”: a eliminação de ruídos limpos que Sondre cismou em colocar durante a produção de seus álbuns mais recentes. Explico: depois do calmo e soft “Duper Sessions”, Sondre expandiu-se como compositor. Assim, conquistou um terreno ainda não explorado que se aproximava da música que vinha sendo feita por bandas de rock alternativo na primeira década deste século. No entanto, por algum motivo (talvez receio de perder os consumidores mais conservadores que embarcaram em seu clima cool) o seu indie-rock por vezes quase se aproximava de um coxiinsmo muito chato na parte dos arranjos. Isto está mais explicitamente gravado em “Phantom Punch”, disco em que se afirma como ótimo compositor, mas ainda hesitante quando seus arranjos o aproximava de um som menos calmo.

E, como comprovado pelos vídeos de qualidade toscas¹ de suas apresentações por bares e casas noturnas dos Estados Unidos ou Noruega (“Bootlegs” é composto por músicas gravadas e extraídas de vários shows nesses dois países durante sua última turnê, em 2011), Sondre é um ótimo músico em cima do palco. Toca agressivamente sua guitarra mantendo sua voz limpa e as nuances elétricas e acústicas de suas músicas também estão sempre presentes em suas interpretações. E, com sua banda, faz dançar, inclusive.

“Bootlegs” é um alívio para quem se incomodava com a aproximação teen e afetada de alguns arranjos do norueguês. “Airport Taxi Reception”, “Two Way Monologue”, “Private Caller” e “Phantom Punch” foram outrora vítimas disso. Agora, estão a salvo em um registro que faz jus ao motivo de ter sido gravado ao vivo — exatamente por querer vender que há algo de novo em si. E faz muito bem desde o nome já que o termo “bootleg” é amplamente usado para descrever material não-oficial gravado ao vivo; o que acaba deixando no ar que o próprio Sondre possui noção de como soam discrepantes suas performances em estúdio e no palco. Depois de seis álbuns irregulares, já era hora de deixar isso claro.

¹ O vídeo que destaco é este. Chamado de “épico” por quem o postou, é a gravação da versão ao vivo de “Two Way Monologue”, um hit da carreira de Sondre Lerche. Naturalmente, a faixa já é um diálogo entre o acústico e o elétrico (realizado pelo violão e pela guitarra e suas distorções na versão de estúdio). Ao vivo, Sondre inventa um problema no cabo da guitarra para interagir com a platéia em uma das canções mais bacanas da discografia — ampliando ainda mais o diálogo.