Thiago Pethit | Estrela Decadente

Thiago Pethit

Estrela Decadente

[Independente; 2012]

7.7

ENCONTRE: iTunes / Site Oficial / Soundcloud

por Matheus Vinhal; 26/09/2012

Ao menos para quem já conhecia Thiago Pethit, antes ator que músico, era de se esperar que a inspiração para seu novo disco, “Estrela Decadente”, viesse do teatro, do cinema. Seu debut “Berlim, Texas” já era fortemente marcado pelas artes cênicas em geral, a começar pelo título, uma corruptela do clássico filme de Wim Wenders. Pethit conhece e reconhece suas influências e em geral não as reduz a uma simples menção (sonora, literária, imagética) em sua música.

Desde “Berlim, Texas” já havia na música de Pethit uma incorporação de gêneros decadentes (musicais, teatrais, literários) do século passado. Por decadente quero dizer gêneros, modos, vestimentas de grande êxito antigamente mas que estão reconhecidamente em desuso hoje em dia. É em grande parte por isso que o emprego desses gêneros na música contemporânea nos remete a um quê nostálgico, por vezes melancólico, um sentimento quase banalizado nos dias de hoje e – mas aqui é apenas impressão minha – que desperta certa hostilidade com o trabalho de quem o utiliza indiscretamente.

A alusão do trabalho de Pethit ao de Zach Condon, do Beirut, vem daí, do uso estético da nostalgia e dos deslumbres de ambos os artistas com a cultura decadente estrangeira, com a diferença de que o americano é, bem, americano e, bem, aos americanos é permitido deslumbrar-se com a cultura alheia dos últimos dois séculos. Aos brasileiros, apenas a decadência brasileira. Mas seria um americano dos desertos do Novo México mais autorizado a brincar com as referências a um passado de outrem do que um jovem ator de uma cosmopolita São Paulo? Seria Pethit menos aceitável porque veio depois de Condon, reconhecidamente um trendsetter musical, mas de modo algum o pioneiro nessa prática? Se por um lado essa obsessão de Pethit pelo passado alheio, europeu ou americano, decadente ou não, pode a alguns parecer fastidiosa depois de um certo número de audições, é preciso reconhecer que um artista brasileiro pode muito bem render homenagens ou tomar emprestadas características do universo que bem desejar e não ser criticado simplesmente por sua escolha em fazê-lo.

Feito o adendo, resta então se ater ao disco e verificar se o trabalho de Pethit é de fato bem realizado. “Berlim, Texas” apresentava um cantor limitado, algo que Pethit nunca pretendeu esconder ou negar, e um conjunto de canções simpáticas na composição mas irregulares na produção e nos arranjos. Enquanto algumas faixas se mostravam adequadas à ambiência pesada e grave do álbum, a maioria das outras canções pareciam sufocar-se na paradoxal crueza e ausência de instrumentação. “Berlim, Texas” era como se fosse o ensaio-final de uma peça notável, em que o palco encontra-se vazio e o elenco, sem figurino. Isso, somado ao fato de ser um primeiro disco, dava a impressão de que  “Berlim, Texas” se tratava de um disco interessante, mas pouco ou mal produzido. Ainda assim, algumas faixas se sustentavam nas boas melodias e letras compostas por Pethit.

Em  “Estrela Decadente”  temos uma peça pronta, o elenco está ensaiado, o cenário pensado e a roupa bem escolhida. Há um claro avanço na produção e nos arranjos, e o mérito aqui vai em grande parte para o incansável Kassin. O universo de Pethit se expande desde a primeira faixa e as canções, de apartamento se estivessem na atmosfera pesada de “Berlim, Texas”, resultam leves, frescas e envolventes. Mesmo que não haja uma espécie de hit indie como “Fuga Nº 1” ou “Mapa Mundi“, encantadoras na sua inocência, “Estrela Decadente” se mostra um real progresso na ainda pequena discografia de Thiago Pethit.

De fato, falta no disco a simplicidade franca nas letras que por vezes “Berlim, Texas” tocava, mas ainda assim “Estrela Decadente” é mais atraente em sua abordagem do passado alheio, pois não se limita à referência direta dos gêneros que venera. Há uma atualização e um cruzamento dos burlescos de décadas diferentes do século passado (ouvir “Dandy Darling” e “Surabaya Johnny“, em especial) que resulta em algo que é, se não novo, original. Pensando decadente com o sentido a que me referi mais acima, Pethit consegue nesse novo disco se firmar como um artista que aborda com êxito um universo passado e nostálgico transformando-o em algo seu, próprio. Não é um artista em decadência, como as brincadeiras com o título do disco gostam de sugerir, mas, na verdade, um artista da decadência.