Tom Zé | Tropicália Lixo Lógico

Tá chato. Anda tão chato (ó que dó falar isso logo dele, redondo como os bundões da área) o mundo que qualquer verdade precisa ser tachada de quase incompreensível (esse é o truque); seja ela tropical, seja ela salmão – só para citar duas vezez, de início, Caetano Veloso a quem o autor de “Tropicália Lixo Lógico” dirige-se alegando pompas honrosas (e também a Gil). Porém, um certo Tom Zé (que divertidamente é um errado artista baiano) passou a sobrepor as interessantes tentativas musicais e artísticas. Anteriormente reconhecidas por David Byrne e pelo selo Luaka Bop, o errante passou a dar lugar a um engravatado anti-marketing.

“Tropicália Lixo Lógico” traz uma premissa que há tempos, lentamente, porém, vem sendo anunciada, por exemplo, nos meios de comunicação de massa. Hermano Vianna estabelece, de alguma forma, a lógica do lixo lógico ao comandar o roteiro de um programa como o “Esquenta!”, comandado esporadicamente por Regina Casé nas tardes de domingo da Rede Globo. Louva-se os atuais detentores de determinada manifestação, mas reforça-se – a todo o tempo – que há um contraponto nisso: há um exercício que provoca (e convida, introduz, interage com) os atuais donos da bola para que não nos esqueçamos do embololô que fez surgir a espécie.

Por alguma ventura, Tom Zé é o passageiro que, ao lado de Caetano, cruzava Bahia-São Paulo indagando rascante a aeromoça sobre a possibilidade de rolar uma cachaça durante o itinerário. Concomitantemente, é um angelical parceiro contemporâneo ao perguntar retoricamente se não pode ter errado ao mandar o próprio Caetano ir tomar no c* ou mesmo se não conduziu mal sua carreira levando-a ao ostracismo que sofreu pré-Luaka Bop.

E, para nossa fortuna, se temos no underground do exercício da auto-crítica  as figuras de José Miguel Wisnik e Paulo Tatit, surge “Tropicália Lixo Lógico” para devolver o estudo e a pertinência a esta que é a segunda vida artística de Tom Zé.  O Fim Da Canção, cantado e dialogado por Wisnik e cia (Arthur Nestroviski, Celso Sim, Tatit) está implícito no 23º disco da carreira de um cara que continua a cantar suas Angélicas, Augustas e, principalmente, Consolações. Da depressão de abastecer carros em Irará a figura central que acende-se no escuro, de pau duro, alegre, cruel, feliz e mau.

Pode ser exagero acreditar que “Tropicália Lixo Lógico” é algo inimaginável para seus convidados. Emicida, Mallu, Pélico e Rodrigo Amarante. Emicida parece não fazer ideia do poder que exerceu em “9 Círculos“; Mallu ainda patina em seus escudos; Pélico ainda não é e, talvez, seja Amarante a única expressão que demonstra querer fazer algo menos previsível  e também o único que faz jus ao convite cantando em “NYC Subway Poetry Departmen” (tudo isto não exclui Mallu de ser fundamental em duas músicas tão principais quanto sensacionais de  “Lixo…”: “Tropicalia Jacta Est” e “O Motoboy e Maria Clara” e também por ser Emicida elemento importante por abrir e concluir o estudo de Tom Zé).

Esqueça toda esta história de lixo lógico, de Aristótoles: você vai ouvir tudo o que a música pop não consegue dizer hoje no país: a urbe e sua dialética empurra-empurra em na supracitada “O Motoboy e Maria Clara”, um semi-cordel que disfarça (muito mal, genialmente) a política em “Debaixo da Marquise do Banco Central”, a fenomenal em rock estica-puxa “Aviso Aos Passageiros”.

Tom Zé encontrou em seus defeitos uma forma de ser compreendido, mas há ainda quem alardeie o compositor como uma espécie ambulante de anti-marketing, um elo perdido cheio de a e i o. Há muito o que desabar sobre os homens para que possamos acariciar nossas meninas sob o sol da felicidade, mas eu não creio que isso seja um impedimento para vermos como “Tropicália Lixo Lógico” é tão superior a quase tudo o que foi lançado este ano. As pessoas não perceberam que enquanto Tom Zé as enrola com uma fala supostamente didática demais e demorada pra rapidez das edições dos escritórios jornalísticos, está esse compositor em ótima forma de síntese musical. Agora, é possível dançar e compartilhar a música mais recente de Tom Zé. Mas, ao que parece, um Macunaíma bocejando uma interjeição e uma preguiça aparece a cada texto chamando tudo isso de muito difícil. Ou quem sabe, sem querer, exercendo uma crítica tecnicista (ou tecnicínica) como fez o técnico responsável pela finalização do disco, como conta o próprio Tom Zé em seu blog.

E, ô, psiu, difícil é uma pinóia. É o hipotálamo de vocês que está sendo inundado por um lixo que vocês não conseguem dissolver, resolver. A música pop brasileira, hoje, é um aterro sanitário como quem não sabe o que fazer com lixo. Enterra. Atola. Atola. Uma hora vai gritar desesperadamente tal como a menina que canta com MC Bola de Fogo no funk que sofreu análise do próprio Tom Zé¹. Enfim, vamos ver quanto tempo esperaremos para que, cabeça oca, saia de pau no bate-boca, rasgue a roupa, grite e berre como louca essa nossa música.

¹ Assista: http://www.youtube.com/watch?v=hubD31XaHqU