“Se juntas já causa, imagina juntas”

É quase irresistível desprezar os Tribalistas pela sua maior qualidade. Com apenas dois discos, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, juntos, já antigiram o que os três tem sozinhos, em diferentes escalas: unidos são também uma espécie de entidade da MPB, auto suficiente, capaz de captar públicos ainda mais diversos do que cada um deles conseguiria, sozinhos. Basicamente, os grandes problemas de “Tribalistas” seriam a repetição de padrões, preguiça ou, aplicando um pouco mais de ranço, seu tino comercial. Mas é importante reconhecer que é quase um milagre ver que artistas tão diversos tenham conseguido essa unidade. Analisando um por um, temos:

1) Marisa Monte, a voz feminina da MPB “moderna”, sofisticada, bem criada, mas ciente das raízes da música brasileira. Caetano Veloso diz no novo “Verdade Tropical” que Carmem Miranda não sabe sambar, mas Marisa Monte sabe. Entenda.

2) Carlinhos Brown, a personificação do brasileiro naturalmente musical, o filho de Gil que cresceu solto na rua, mas estudou e é respeitado lá fora. Isso é importante, “ser respeitado lá fora”, não necessariamente aqui.

3) E Arnaldo Antunes… bem, aqui complica um pouco. Ser “o mais inteligente dos Titãs” (não necessariamente um elogio, vamos combinar) o vestiu com uma fantasia de ousadia e intelectualidade que, de fato, nunca se materializou em música. Mas vamos considera-lo como ele é visto: um cérebro no pop brasileiro, um cara que está pronto para te dar uma surra de haikai a qualquer momento.

Como isso junto virou o conjunto Tribalistas não é difícil de entender. O norte é de Marisa que, não por coincidência, assina a produção desse segundo disco. Os outros se encaixam onde é possível (ou se anulam) para forjar essa espécie de música pop de embalagem levemente requintada já mãe de uma considerável linhagem na MPB, da qual fazem parte Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz e Silva.

Apesar do tamanho e da influência, não deixa de ser uma pena que essas três forças se anulem propositalmente em nome de uma unidade que não favorece a natureza expansiva de suas personalidades isoladas. Brown, por exemplo, toca uma infinidade de instrumentos, dos nomes mais variados possíveis (berra-boi, karkabou, etc…), mas que quase sempre abafados sob melodias rígidas que impedem qualquer tentativa de requebrado. Antunes se limita a aparecer como um caricatura de Arnaldo Antunes, o cara de voz cavernosa que ocasionalmente declama alguma coisa muito bonita e retorna para o seu porão misterioso.

De novidade, temos alguns assuntos atuais tratados de maneira espertamente supérflua. “Lutar e Vencer”, por exemplo, parece ter sido escrita para um trabalho pedido pela professora de Português logo depois que a ocupação acabou. Parece haver também uma certa opção por uma economia, percepção aumentada pela curta duração do álbum mas que não passa de impressão. Exagerando na auto defesa em entrevistas de divulgação (“Não é um banda fazendo carreira”, diz Arnaldo. “É do jeito que a gente toca na varanda”, pondera Marisa. “Não transgredir, nem agredir, nem agradar”, acrescenta um misterioso Carlinhos Brown, deixando quase nenhuma intenção sobrando), os Tribalistas deixam claro que a falta de hits é menos objetivo, mais sinal dos tempos.

Dito isso, é bem díficil concluir que “Tribalistas” não seja um grande disco porque tem música na novela, ou no comercial. “Trabalistas” não é um grande disco porque nennhum dos três faz a mínima questão de criar um grande um disco. Nem um pequeno, nem um médio. Satifeitos com a posição de entidade que conseguiram, juntos ou sozinhos, os Tribalistas não querem criar nada.