Wado merece respeito. “Vazio Tropical” me leva imediatamente à cena clássica do cotidiano da família brasileira na qual a mãe alerta o filho a respeito de sua nova turma. Normalmente, as soluções de roteiro são 1) o filho comprova certa a preocupação da tutora e se arrepende de não tê-la dado ouvidos 2) obstinado, o filho escuta a mãe com carinho porém, olhando-a bem nos olhos, sente a câmera em close enquanto diz convicto: “mãe, esse é o meu destino. Um dia vocês vão ouvir falar do meu nome”. Como em um filme que perdeu o prazo para entregar as inscrições em editais de incentivo, o diretor optou por não realizar nenhuma das cenas para não comprometer ainda mais orçamento.

Pior: a sensação é de que Wado, sabendo que não é um diretor qualquer, tenta resguardar-se em um meio-termo das duas opções. No entanto, ao contrário do que sugere a carreira do catarino-alagoano, o vazio do título do álbum e o meio-termo citado são, de fato, pouco explorados. “Vazio Tropical” é tropical em guitarras e metais simplórios e enfadonhos e só é vazio por ser peça ingênua (querendo ser grande), cansativa (querendo ter fôlego) e, principalmente, um pecado (querendo ser terno).

“Arrastado” não serve como adjetivo para um disco que emula o que “Toque Dela” e o errôneo “Canções de Apartamento” fizeram em 2011. Ignorar sua carreira como peça elevada de uma trajetória à parte da música popular radiofônica brasileira denota uma fraqueza de Wado ao mesmo tempo em que relega os melhores momentos de “Vazio Tropical” a seus convidados. “Zelo” é a peça mais pop do álbum e ameaçaria ter alguma beleza caso não culminasse no supracitado álbum de Cícero; primeiro são as notas pontuadas pelo piano e, logo depois, sem misericórdia, a bateria chata em ritmo de marcha que infestou o pop-rock brasileiro depois das metáforas carnavalescas dos hermanos (principalmente) pós-Bloco do Eu Sozinho. Ser chato dois anos depois de um que calçou galochas no adjetivo é desmerecer biografia.

Saliento, no entanto, que seria uma tacada extremamente esperta caso o artista que estampa o nome no álbum fosse alguém já fixado no mainstream; iria angariar a simpatia de um novo público e ter dois mercados para jogar. Wado, contudo, consegue apenas aplacar corações fracos e pouco exigentes. O mais lamentável é que serão os mesmos que julgaram Cícero capaz de ser herdeiro pontual de uma obra que se extinguiu muito rapidamente ou ainda precisa ser mais absorvida pelo pop brasileiro. Isso diz mais sobre “Vazio Tropical” do que propriamente de quem nisso acredita.

Não foi sem aviso. “Samba 808” já apontava um outro Wado quando o compositor revelou-se dividido entre a carreira musical e uma vaga disputada a tapas por meio de concursos públicos. A dúvida, o êxito, o amor e o medo estavam ali. Infelizmente, em larga maioria, era só na notícia. Pois seu álbum anterior não empolga tanto quanto a entrevista que Carla Castelotti, do Gazeta de Alagoas, arrancou do artista. Sim, vale, em respeito à esperança e à grande carreira que montou, a ressalva: seja em “Samba 808” ou em “Vazio Tropical”, há respiros poéticos e musicais que retomam o ouvinte em alguma rota de colisão menos previsível. No álbum em questão, “Carne” (que conta com a insustentável participação de Gonzalo Denis), “Canto dos Insetos” (assinada em parceria com Cícero, Momo e, aqui, muito bem sucedida no rastro solo cameliano), “Flores do Bem” (com a participação de Momo, dono de versão original bem superior) e “Tão Feliz” (que traz vocal bonito e inesperadamente inspirado do supercitado Marcelo Camelo) são peças facilmente destacadas de todo o repertório de “Vazio Tropical”. São peças maiores e ao léu sob o mesmo sereno que recai sobre a carreira de Wado.

No portão, a mãe aguarda ansiosa pelo regresso do filho. Ela o abraçará e evitará dizer “eu avisei”. Apenas o abraçará. Depois que o manto negro que é este álbum passar pela discografia, o quente do lar pode recobrar a Wado sua importância e devolver-lhe a independência de esquemas que perpertuam-se inclusive naquelas meios que parecem ilesos aos ataques vorazes de artificialidade que emanam do mainstream. Marcelo Camelo instaura, devagarinho, um jeito singular de compôr que inspira uma geração. “Você não é dessa turma, filho. Não lute contra isso”, diria a mãe quase que prevendo a ruína. Mas, tudo bem, biografia sem falha, ela sabe, não serve muito. Em pensamento, porém, ela diz só para si mesma “mas, se era pra se sujar, trazia um dinheiro pra casa, né”.

Falando mais sério, se meio-termo fosse bom, a própria palavra não se carregaria em duas. E “Vazio Tropical” abusa no desperdício sem se saber excessivo tampouco lascívio; nem vazio, nem tropical. Wado queria Kassin que estava amando outra coisa que amava Cícero que sugeriu Marcelo Camelo para a produção. Wado atribui o “vazio” ao produtor. Não é vazio. É, apenas, pouco.