Lanço na carne a navalha: qual a diferença entre “Padê”, lançado por Juçara Amaral e Kiko Dinucci em 2006, e “Encarnado“? Mais funda: o que faz “Padê”, previsto para levar apenas o nome de Juçara, ser considerado um trabalho conjunto com Kiko Dinucci e “Encarnado”, com contribuições tão singulares como as do mesmo Dinucci, de Thiago França ou Thomas Rohrer, ser tomado como um trabalho solo de Juçara?

As respostas a tais navalhas são certamente menos interessantes do que contemplarmos o caminho percorrido por Juçara, de 2006 a 2014 , de “Padê” a “Encarnado”. De lá até aqui acompanhamos a olhos vistos a maturação artística deste grupo paulista, cujo elemento mais maduro pareceu sempre ser justamente Juçara, a voz feminina que, de alguma forma, fazia a ligação da música dessas pessoas à tradição do que se chama MPB, ou, para tentar ser um pouco mais preciso, à tradição moderna (sic) da canção brasileira.

É por isso que me atrevo a pensar em “Ciranda do Aborto” como uma (anti)canção que versa não somente sobre a morte da canção, mas também sobre a morte da MPB como alternativa possível na produção brasileira, sobre seu fim como possibilidade musical em 2014. Como canta Juçara: não há piedade, é só o fim. Contudo, não deixa de haver dor nesta constatação, claro.

“Ciranda do Aborto” é a peça principal em 2014 desse jogo de xadrez interminável com a morte da canção. A faixa começa com a possibilidade estética de uma cantora comum de música brasileira, como as que encontramos a cada semana onde quer que busquemos. Mas então a faixa se torna algo que somente Juçara e esse grupo paulista poderiam oferecer à música brasileira: uma MPB que já surge natimorta, na mortalha do ruído. É a realização máxima (até agora) da música proposta por Dinucci, Froes, França, Juçara, Rohrer e demais envolvidos e, por isso, dificilmente haverá música mais importante a ser lançada no Brasil este ano.