Lucas Santtana | Ela É Belém

É engraçado que uma faixa como “Ela é Belém” se mostre forte principalmente – mas não só, vejam bem – quando comparada com o tanto de besteira que se tocou e se escreveu a partir do tecnobrega. Isso porque “O Deus Que Devasta Mas Também Cura” e essa que é uma das melhores faixas do disco são coisas em plena posse de um autor, um cantor com uma voz que ultrapassa a que tem na garganta. São coisas de Lucas Santtana, mais ninguém.

E é justamente essa voz, essa capacidade de se relacionar com um mundo ao mesmo tempo em que se faz dono dele, que separa “Ela é Belém” do tanto de coisa errada feita com os ritmos paraenses, a saber: 1) fazê-los sons de estimação, referências mais condescendentes e “cabeça aberta” do que artísticas 2) recriá-los antes como comentário social do que música propriamente boa (uma coisa bem diferente, embora ocasionalmente concomitante à segunda opção) ou 3) reproduzi-los cegamente, sem os ajustes de que precisariam.

A maior qualidade de “Ela é Belém”, então, é que num contexto em que se tem tudo pra desembocar em música vazia, Santtana crie uma cancão cheia. Na introdução meio austera, na batida inconfundível, nos barulhinhos eletrônicos, nos respiros, lentos e cheios de si, que o petardo dá, não há nada além da tensão entre o descartável e o eterno, entre a música pra pista e a expressão de algum tipo de peso – a criação, enfim, de uma realidade paralela em que tudo de duro, puro, sujo e besta numa cidade é tomado de solenidade. “Ela é Belém” não é tanto do Brasil quanto de outro mundo, o melhor tipo de música: a extraterrestre.