“Lenhador” surge envolto a adjetivos que a obra não é capaz de sustentar. Isso não é necessariamente culpa de Marcelo Perdido, mas cabe a curiosidade de saber a origem de tantos e confusos elogios a um registro que parece, em geral, pouco experimental, pouco cativante, de narrativa insossa e comum. “Lenhador” é um registro de Marcelo Perdido, não tenha dúvidas (dirão “íntimo”, “particular”). Em momento algum, contudo, o álbum transcende a condição de arquivo destinado a quem interessar possa — e, talvez, essa seja a grande dúvida que o álbum sucita: a quem interessa um disco como “Lenhador”? Mais: o álbum cria realmente esta interrogação? Parece que não.

Tecnicamente, “Lenhador” é um disco de produção rasa — normalmente chamada de “sutil”. Friso: essa culpa não é do artista. E nem de quem fez o release. É de quem lê isso tudo mesmo de forma deslumbrada. Curiosamente, Perdido tem uma direção artística muito clara e que certamente possui condições de comover: desde Hidrocor, sua ex-banda, lança mão do bom humor, de boas imagens e versos espontâneos. A culpa é justamente de uma necessidade muito estranha de nossos pares de sites e blogs em promover “Lenhador” como um clássico de 2014. “Vicent, William e José” é uma faixa que desqualifica qualquer pretendente ao posto: monótona, fria, banal e sem, em momento algum, almejar ser assim.

“Lenhador” é um álbum que contradiz o título (e também a beleza da arte de capa). Obviamente, o sujeito rústico e forte não é um ourives que vá criar uma jóia rara, mas disposto a destruir, cortar, encurtar, derrubar. No entanto, curiosamente, Marcelo Perdido compõe sem nenhuma aresta: não há farpas ou mesmo suardas — não é um álbum difícil. Tampouco é um disposto a elaborar-se como um produto convincentemente pop — é fadado ao esquecimento bem como tantos outros álbuns que surgem aos borbotões vindos de uma jovem classe média brasileira disposta a mexer em softwares e hardwares voltados para a gravação musical. Se Perdido almeja uma carreira musical, “Lenhador” é um álbum que não o credencia. Ainda possua momentos como “Sacolé” (que tem Laura Lavieri como convidada) e, principalmente, “Aritimética”, o disco, em sua maioria, entrega peças pouco inspiradas, insossas e de letras que fingem o tempo todo anunciar algo a que devemos desperdiçar atenção. No fim, a faixa-título, “Paquetá”, “É pimenta” e a já supracitada “Vicent, William e José” são estímulos para o abandono definitivo da audição.

Não é de hoje que produz-se obras que estão bisonhamente paradas no dilema da pedra de Drummond. Há algo no caminho que não deixa que a vontade e o acesso às tecnologias se transformem em produtos que consigam exigir do ouvinte o mínimo de interrogações, atenção e preparo. “Lenhador” é fruto de um compositor disposto, com experiência auditiva e possivelmente imerso na cultura pop que nos cerca. Mas também é o mais recente dos exemplares que compilam uma série de esforços muito mais próprios do que artísticos.

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Para ilustrar, colhi alguns adjetivos e frases que encontrei sobre “Lenhador”. É possível que, ao lê-los, o leitor tenha a impressão que se trate do disco “Benji”, lançado também neste ano pelo americano Sun Kil Moon. É também possível observar uma série de termos sendo usados sem o mínimo de cuidado: “individualismo”, “hermetismo”, “minimalismo”, “sutil”, “acessibilidade”, “singeleza”, “delicadeza”, “despretensão”. São eles:

– marcante, belos acordes (daqui);

– belo registro pautado pelo minimalismo de arranjos e grandezas de sentimentos

– Perdido canta baixo e expõe com certa timidez e delicadeza seu universo, o que contribui ainda mais para a imersão no álbum

– O disco é despretensioso, envolvente e explora a sensibilidade das canções que o compõe (todas daqui);

– singeleza dos arranjos, mas alimentado em essência pelo esforço dos sentimentos, temas e toques amargurados de desamor

– Perdido continua a cantar sobre si próprio e o universo que o rodeia, esforço que em nenhum instante esbarra no hermetismo típico de obras do gênero