Maria Rita chega a 2014 com algum tipo de prestígio. É difícil não relacionar o que impulsiona o que resta de clamor em cima de seu nome ainda se não com o seu talento. Maria Rita é uma cantora sem pares no hall das que ambicionam o metiê. Fez sua fama para além da genética. No entanto, o ouvinte que poderia prestigiar seu sexto álbum, “Coração a Batucar”, certamente está em outra; em um movimento muito distante de sambas que fazem frente somente às tentativas sem sal recentes do gênero em vozes femininas. Maria Rita insiste em uma falsa-luxúria musical que apenas recicla a atenção que ela já atraí de forma muito natural.

Quando precisava em um esforço de marketing se aproveitar e se afastar da sombra de Elis Regina, Maria Rita cumpriu com excelência os movimentos da comunicação: tornou-se um produto único, ainda que desfrutando de rebarbas do inconsciente coletivo. Seu debute homônimo é um primor de força e fragilidade emanando de um única artista. O luxo, se havia, era necessário. O alicerce, no entanto, eram as escolhas de repertório e, principalmente, a comoção com a qual interpretava cada peça.

De lá pra cá, onze anos depois, Maria Rita é irrelevante dos portões do Projac pra rua. Sua credibilidade reside nas trocas que os setores comerciais e artísticos realizam nos escritórios de alguma rede televisiva. Uma música aqui na novela das sete, uma música aqui na rádio, uma participação acolá. Uma moeda de troca glamurosa. Envergar ao samba sem ter audácias no processo de produção fez de Maria Rita um nome a mais de um jabá do qual ninguém sabe mais porque é necessário.

“Coração a Batucar” é mais um da lista de presentes para pais e mães. No primeiro mês após o lançamento, adentrar uma megastore será topar com o título na porta de cada uma. Negócio bem mais ou menos para quem já foi capaz de provocar emoções que apenas uma cantora (Maria Bethânia, obviamente) nesse país ainda comete. Negócio pior ainda para quem tentou fazer movimentos de aproximação a compositores contemporâneos bem como fez a mãe. Na voz de Maria Rita, Rodrigo Maranhão continua, no entanto, sendo um desconhecido. Arlindo Cruz tem seus sambas em capsulas genéricas na discografia da cantora. Com o Quinteto em Branco em Preto, em “No Meio do Salão”, o convite se reduz ao nome e à experiência — e pouco ao som, principalmente diante da recente participação do grupo junto a Emicida.

Cada faixa de “Coração a Batucar”, com exceção de “Abre o peito e chora”, é um convite à desilusão com um formato de mercado que ainda sobrevive no Brasil: artistas que se escoram em uma espécie de roda do mainstream e também em nomes consagrados e nem tão midiáticos. O resultado é uma pasmaceira musical na qual não importa a qualidade sonora devido a total impertinência das direções artísticas. O arranjo canalha de “Rumo Ao Infinito” é uma das provas mais cabais da qualidade descartável de “Coração a Batucar”: um clichê soft e insosso das tentativas de canção de amor que Arlindo Cruz (dono da faixa junto com Marcelinho Moreira e Fred Camacho) e congêneres tentaram emplacar em tempos recentes. Não vai servir nem pra novela. “Coração a Batucar” é, na verdade, o terceiro disco de sobras da artista (a ele se aproximam “Samba Meu” e Elo”). Já dá pra lançar um box. E ninguém vai acabar notando que a melhor faixa do álbum é um bom pagode, “Abismo”, perdido no meio de tanta sobras e marasmo.

Maria Rita, quem é você pra me chamar aqui se nada aconteceu?¹