Gal Costa @ Parque da Juventude (08/04/2012)

Gratuito no Brasil é superfaturado. Neguinho já se acostumou com isso. País adentro, quaisquer iniciativas que terminem com a apresentadora paulista esmagando nossos ouvidos ao pronunciar a palavra “gratuito” com o “i” assumindo ruidosamente o papel de vogal tônica são dignas de desconfiança. Pelo léxico e pelo péssimo. Aí, tu soma que o poder público enxerga a MPB como um ótimo refúgio para preencher essas lacunas da safadeza. O gênero tem uma pá de artistas que emplacaram hits no final da década de 70 e durante todos os 80s. Ainda valiosos, alguns desses não conseguem desde seus últimos hits emplacar o mínimo de bom senso e relevância em trabalhos que adentraram o século XXI munidos apenas do nome no encarte. Este texto falará sobre a Gal Costa. Como vocês sabem, ela lançou um disco com 2011 findando. Neguinho zuou, neguinho aplaudinho. Eu zombei. Oportunista, achei. Enquanto os aviões do Campo de Marte zuniam por sobre o palco montado no Parque da Juventude, heteros, gays, cachorros, crianças se amontoavam nas poucas árvores próximas ao palco. Antes do show começar e sem observar bem o público, seria bem de boa apontar que o nome de Gal e sua carreira eram os únicos chamarizes para que um público de ressaca do sábado comparecesse sob um sol cujos raios castigavam a pele com sua sensação térmica de uns 35 graus.

Mas a média de idade era baixa. Em primeiro lugar, porque Gal e toda a obra da turma tropicalista soa perfeitamente cabível nos 00s para grande parte das humanas universitárias. Outra: a capital há muito é acostumada com as iniciativas a céu aberto – e gratuitas – e nos parques. E mais outra – e a mais importante: Gal voltou a ser relevante. Penúltima música da apresentação, “Força Estranha” me arrepiava. Era o encontro de todas as vozes ali. Um casal ao meu lado tentava cantar abraçado o refrão enquanto pedia paciência ao filho fastigado pelo sol. Neo-hippies, a minha frente, com suas miçangas e livros locados de uma biblioteca qualquer, riam durante o clássico. Um outro casal, gay, os dois já bem senhores, se beijavam. “Vou tocar tudo pra vocês, então”, se viu obrigada – e surpresa – a artista ao ver que, já uma hora de show, o público aplaudia sem parar. Eu tinha lido sobre “Recanto” em sua forma ao vivo no blog do Mauro Ferreira. Mas no começo do show, não suspeitava que teria uma experiência ainda mais incrível do que a do Mauro e, principalmente, do que todos os meus pares etários que desembolsaram grana para serem mal tratados neste final de semana na Chácara do Jockey. Haja fissura pelos enlatados. O trio indie que acompanha Gal não é apenas uma figuração oportunista. Domenico está ali porque só ele poderia estar. Comandando a MPC-1000, causa as mesmas intromissões que ele proporcionava no +2. Além de excelente baterista, é um curioso-quase-amador. E ganha uma bitoca de Gal ao cantar/versar os versos originalmente acariocados por Caetano em “Miami Maculelê”. Aproveitando esta faixa, que foi uma das primeiras a trazer Recanto para as rodas de discussão musical em 2011, é impressionante notar como o disco é preciso. Tão preciso que, em nenhum momento, Gal Costa alonga suas músicas para fazer uma média com o público. As músicas que pedem isso, como a própria “Miami…”, já possuem isso em sua gravação original. Isso ia nos deixando muito boquiabertos. Fomos ingênuos ao achar que seria uma aventura tudo ali. “Vocês souberam acompanhar tudo em silêncio”, reverenciava ao receber longos apupos após “Recanto Escuro” e “Tudo Dói” deixarem claro que o show era do álbum. Era um show de lançamento e, o melhor, não haveria muitas concessões apenas porque o público ali poderia ser um tipo diferente de plateia, “média”, talvez. Não.

Me impressionou quando simulou um autotune com a própria voz em “Autotune auterótico” e, sem muita explicação lógica (afinal, convenhamos, uma piada complexa essa), a massa ali desabou em gritos. Com uma tacada (bem natural pra ela) de gênio, Gal aparentemente dissipara com este ato as dúvidas de que sua voz estava protegida pelas tecno-intervenções de “Recanto” e pelas costas de Caetano, idealizador. Mais: estava dando um tapa na gente. A gente é burro pra dedéu. Era isso. Eu tenho quase certeza. Eu não teria acreditado caso tivesse pago quinhentas pilas para ver americanos zombadores (em sua maior parte) e só soubesse desse da Gal por bocas alheias. Depois disso, o vendedor de água (e maconha também) já estava usando aqueles “Lááááááá-lálálálálá-lá-lá-lá” de “Barato Total” para anunciar sua mercadoria (láááááá-coca-cerveja-e-á-gua) e Pedro Baby (guitarra e violão) já estava denunciando a sensacional versão indie (com solo de guitarra) de “Vapor Barato” (Jards Macalé – Waly Salomão). A ele fazia companhia Bruno di Lullo, no baixo, igualmente sensacional em “Folhetim” (Chico Buarque). Vieram “Deus é Maior Amor” (Jorge Ben), “Da maior importância” (Caetano Veloso) e, principalmente, dessa série de sucessos, “Um dia de domingo” (Michael Sullivan & Paulo Massadas) porque era a Gal imitando os gracejos vocais de Tim Maia (seu companheiro na versão original do disco Bem Bom, de 1985), entretendo a plateia e sendo, mais uma vez, o espetáculo. A lindíssima e eterna “Dom de Iludir”, de Caetano en 1976, abriu com seu minuto curto passagem para “Neguinho”, melhor composição de Veloso neste novo álbum de Gal. Contundente demais, simbólica demais. O fato de eu ter zombado de “Recanto” em 2011 é por demais forte simbolicamente para, sim, eu me abalar. Estou até agora assim – e com pena de quem com suas economias está pagando o preço dessa ignorância que tive (e quiçá, posso adivinhar, teve nojinho de ir conferir Racionais MCs tocando no Lollapalooza). Gal está mais viva porque é aplaudida três vezes em uma canção que mistura funk carioca com ambient. Coisa que grande parte das bandas que cansamos de incensar não consegue. Coisas deste domingo no parque – fatal.