Animal Collective | Centipede Hz.

Animal Collective

Centipede Hz.

[Domino; 2012]

7.5

ENCONTRE: My Animal Home

por Rafael Abreu; 03/09/2012

Pra não adereçar com muita afobação o elefante em forma de ilusão de ótica de cores berrantes, é bom voltar um pouco no tempo. Porque houve, sim, história antes de “Merriweather Post Pavillion” – e muita – enquanto estamos no assunto. Afinal, não é como se os Panda Bear, Avey Tare, Geologist e Deakin não tivessem alcançado, um álbum antes, uma espécie de máximo. Todo mundo dá e vende louros a “My Girls” e “Brothersport”, mas alguém aí se lembra da piração eufórica e imprevisível de “Chores”? Alguém aí se lembra do “Que porra é essa?” mental que “Peacebone” – a primeira faixa do então novo disco, é importante destacar – invariavelmente causava, toda gritos e rugidos e grunhidos e artifício pop rasgado, monstruoso e atroz, na precisão de sua visão? Alguém se lembra do Barry White perdido em câmera lenta no espaço que “#1” conjurou pela primeira vez há cinco anos? Alguém se lembra, enfim, do terror maravilhoso que era ouvir um disco – e em especial aquele disco – do Animal Collective?

É possível que não, e há um motivo por que, vez ou outra, alguns se esquecem do quão excepcional é “Strawberry Jam” e tudo que veio antes dele: “Merriweather Post Pavillion”, o tal paquiderme que essa resenha é meio que obrigada a encarar, foi o tipo de evento capaz de aniquilar todos os outros, reduzir a um esquecimento atordoado toda uma discografia de qualidade. É como funciona o neuralizador, aquele aparelhinho que o Tomy Lee Jones e o Will Smith usam no cinema: te surpreende com um átimo de confusão (“Porque eles estão colocando óculos de sol?”) e depois puf, foi-se a memória. Dali pra frente só o futuro. E era exatamente essa a comoção que movia muita gente, no início de 2010: a de que “MPP” era o futuro, a despedida e a resolução de toda uma controversa década. E, ironicamente, a morte da História de uma banda.

O que isso provavelmente nos impediu de perceber, nesse meio tempo, é que “MPP” não era tanto um passo à frente quanto uma expansão, um crescimento, um brotar, algo que se desdobra, estático, e segue enredando pedras, destruindo calçadas e se enroscando em tudo quanto é lugar. Porque “My Girls” e “Guy’s Eyes” eram exatamente o que se esperava do Animal Collective, embora muita gente – eu incluso – ainda achasse, à época, que havia espaço para surpresas. Na verdade, era como se tudo que os ouvintes mais queriam se visse realizado num só disco, sem tirar nem pôr, a concretização absoluta do familiar de uma banda, em vez de seu previsível. Quando começaram a surgir os trechos de “Bluish” e “Also Frightened”, o que antes era suspeita ganhava a substância de uma certeza: todo mundo sabia que “MPP” seria o disco daquele ano. E todo mundo acertou.

O papel de passo derradeiro, então, cabe a “Strawberry Jam”, o último movimento de risco da banda, e mesmo assim uma espécie de profecia principalmente porque foi ali que o artifício acabou de se formar – só lhe faltavam alguns ajustes. E na cronologia histórica que vai de banda malucona viajante com “Here Comes the Indian” ao pop alienígena e metafórico do disco acima citado, passando pelo folk zoado de “Sung Tongs” e o “disco de guitarra” (frisar aspas) que era “Feels”, além de uma série de lançamentos associados a um, dois ou três dos integrantes do conjunto, “Centipede Hz.” é um disco que se presta a restabelecer o terror do imprevisto e o “escuro do futuro” que a banda tanto apreciou, ao longo de sua carreira.

O processo, aqui, é o de uma volta no tempo. É como se, um pouco arrependidos, os rapazes eliminassem o que “Strawberry Jam” tinha de profético, rebobinassem a fita ao momento que o sucedeu e inventassem outro futuro, tomando um caminho que não desemboca em “Merriweather”. Que mais propriamente se desvia do porto seguro que ele seria, aliás. E é por isso que faz tanto sentido que “Centipede Hz.” seja um disco falho. Ao contrário da realidade paralela que nos deu “My Girls” e “Brothersport”, “Centipede Hz.” pena pra não sair errado. Sai, então, contorcido, fragmentado, caleidoscópico e, francamente, vezenquando desnorteado.

Fosse outra banda, o resultado muito provavelmente seria ruim. Sendo o Animal Collective, o que não é tão bom se mostra, sem dúvida, consideravelmente melhor (e consideravelmente mais valoroso) do que a maioria das bandas que se propuserem a ser “boas”, no ano de 2012. E isso acontece principalmente porque, muito embora sejam um parâmetro de originalidade e frescor bastante sólido, nos anos 2000, o grupo reverencia, por suas habilidades, a genialidade de outros petardos. É só prestar atenção ao “mix de inspiração” que o Geologist postou no site oficial do grupo, logo antes que o disco estreasse. Dos Individuals, um senso maroto de maestria e de dinâmica de banda; do Clube da Esquina o espaço do estúdio e das composições aproveitado ao máximo, grávido, duplo; de uma faixa como “Nas Paredes da Pedra Encantada”, as pirações, não sem rumo, de uma “Today’s Supernatural” ou uma “Monkey Riches”; e assim por diante.

Fazia tempo que o Animal não fazia um disco tão difícil, e “Centipede Hz.” se trata justamente disso, da capa horrenda aos desvarios de efeito de voz e percussão que o marcam do início ao fim. E o que mais decepciona – ainda que o verbo pareça um pouco forte, no contexto majoritariamente favorável do disco – é que todas essas habilidades não sejam tão bem aproveitadas. Pois “Centipede Hz.” parece, a maior parte do tempo, antes um projeto suficientemente realizado do que uma obra excelente. Os efeitos e as intenções são muito claros e adequados, mas, na prática, há uma margem de erro que o impede de ser tudo o que poderia de ser (um “Strawberry Jam” mais extremo, por exemplo). E acaba que temos um disco maior em ideias e menor em canções, em música mesmo. Há o tropical extraterrestre de “Father Time”, o falso prosaísmo (gênio de verdade) de “Rosie Oh”, e os liquidificadores sonoros de “MoonJock” e “Today’s Supernatural” como pontos de condensação do melhor que a banda tem, mas “Centipede Hz.” é, no mais das vezes, um disco intermitente: anda uma corda bamba sobretudo simplesmente apta, descambando, aqui e ali, para uma ou outra realização plena. E é talvez por isso que, ironicamente, o disco reapresente a banda como uma promessa. Erros, riscos e acertos contabilizados, o futuro voltou a ser incerto. E certamente curioso.