Atoms For Peace: Amok

Atoms For Peace é a banda montada por Thom Yorke para acompanhá-lo na sua turnê após o lançamento do disco solo “The Eraser” (2006). “Amok” é o primeiro álbum como produto conjunto da banda e não simplesmente uma transposição para o estúdio das ideias individuais de Yorke, livre dos outros integrantes do Radiohead. De modo que faz muito mais sentido considerar “Amok” como uma extensão do trabalho começado em “The Eraser” do que tentar aproximá-lo à produção musical do Radiohead. Ainda assim, as comparações são inevitáveis, dado que a influência de Yorke em ambos os grupos é imensa, se não definidora.

“The Eraser” já se apresentava bastante diferente do Radiohead de 2006, apesar de acenar para uma futura volta do grupo à canção, naquele disco que foi um acerto de contas com o passado melódico do grupo, “In Rainbows”, lançado no ano seguinte. As composições de “The Eraser” apresentavam um Thom Yorke mais direto, com melodias comparativamente mais simples, uma composição feita em blocos menos intercaláveis do que nos discos do Radiohead e por isso de mais natural assimilação. “The Eraser” era, enfim, um Thom Yorke mais descomplicado, em que suas ideias políticas, sociais, sonoras etc. eram menos obscuras.

“Amok” continua, de certa forma, mais simples que o restante dos trabalhos do Radiohead, considerando em especial o mais recente, “The King of Limbs”. Com exceção da composição rítmica do disco, extremamente intricada – talvez um resultado das aventuras de Yorke com seus amigos Flying Lotus e Four Tet, mas certamente consequência da presença do percussionista brasileiro Mauro Refosco no Atoms For Peace – “Amok” soa menos complexo do que os álbuns do Radiohead, evocando, como já disse, uma continuação natural de “The Eraser”.

“Amok”, no entanto, não se mostra uma simples prolongação do disco solo de 2006, mas sim um aperfeiçoamento (no sentido de especialização, não necessariamente de melhoria) de alguns momentos de “The Eraser” e isso se deve, muito provavelmente, à presença de outros músicos na criação e evolução do som apresentado no disco. Certamente uma das características mais fortes do álbum é a presença marcante do baixo de Flea, integrante do Red Hot Chili Peppers. As linhas de baixo em muitas faixas de “Amok” parecem ter sido determinantes para que o disco não se perdesse apenas em um punhado de boas ambientações, como as dos teclados do produtor Nigel Godrich ou as dos backing vocals criados por Yorke. É Flea quem, com o groove que lhe é característico, não deixa com que Amok seja apenas um exercício de ritmos e ambientações, como mostra muito bem a faixa onde sua estrela brilha mais do que todas as outras, “Stuck Together Pieces”. Ou, ainda, na melhor faixa do álbum – e o é em grande parte por causa da reviravolta que seu baixo causa a partir do segundo terço da música – “Dropped”. Entretanto, a linha de baixo marcante não se deve propriamente à chegada de Flea ao grupo, visto que “The Eraser” possuía sua carga de canções cujo baixo era fundamental e notável, como “Harrowdown Hill” e “Black Swan”.

Todavia, ao contrário de “The Eraser”, há pouco do que se poderia chamar de canção em “Amok”. Há antes de tudo uma tentativa de capturar musicalmente algumas sensações ou sentimentos, como em “Unless”, cuja principal frase é “I couldn’t care less“. Neste sentido, é muito mais um trabalho de exercício, de estudo, de ensaio sonoro do que de fato um disco no qual alguma ideia ou som foi pré-concebido e pré-escolhido.

O que importa em “Amok” parece ser mais o processo pelo qual o grupo chegou às músicas apresentadas do que propriamente as músicas em si. Por ser um projeto paralelo, não é complicado de entender o porquê dessa decisão. Há sim uma hierarquia clara entre o Atoms For Peace e o Radiohead, e quem se interessar somente por resultados redondos e completos, talvez seja melhor ficar apenas com o último. Não à toa, “Amok” é mais um desses momentos recentes que revelam um Thom Yorke despretensioso, no bom sentido, menos preocupado com a perfeição calculista e sufocante que cercava o seu grupo no fim dos anos 1990 e início dos 2000.

Contudo, há algo em “Amok” que o Radiohead (e tampouco o Thom Yorke solo) não havia desenvolvido com tanta dedicação e cuidado: o ritmo. A banda primeira de Yorke já havia se aventurado bastante – e com inegável sucesso – pelos ritmos quebrados e tempos incomuns, mas em  “Amok” o interesse pela área rítmica é muito maior, sendo um fator possível de incômodo, especialmente a gringos pouco acostumados a contratempos e a ritmos variados. Tudo isso faz com que “Amok” seja um álbum ambivalente, que pode despertar tanto o interesse quanto o descaso, dependendo do ouvinte. De fato, se mostra muito mais interessante caso o ouvinte conheça a trajetória e tenha apreço pela carreira do vocalista do Radiohead, ainda que haja canções que se sustentem sem qualquer informação prévia, caso de “Before Your Very Eyes” ou “Default”, não por acaso as primeiras faixas do disco. Ao optar, no entanto, por tempos intricados e com pouco interesse por construir canções no sentido mais clássico, “Amok” se mostra mais complicado do que realmente é, sendo esse motivo tanto de fascínio quanto de aversão.